quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A Gueixa

Dizem que a gueixa conquista um homem com um único olhar. Mentira. É preciso mais que isso e ninguém é tão mundano. Mas derruba com o jeito de ser e falar, o sorriso, e a peculiaridade de sua beleza incerta buscando aprovação. A propósito, meu nome é Osmar e hoje vou contar minha historia para você. Sim, a historia é de amor, perda e dor claro. Afinal, pelo inicio da nossa... conversa deu para perceber que a gueixa é como uma sombra que entra na vida e de repente some por entre as arvores da floresta, se mantém por perto como um rio que você nunca encontra mas sempre ouve suas águas correndo.

Era uma vez...

Eu havia acabado de dar carona para dois amigos para irmos à livraria cultura. Eles dois andavam na frente conversando e eu um pouco atrás ainda guardando aquele maldito papel do estacionamento quando vi a Gueixa pela primeira vez. Porra, ela era bonita, mas ate ai estamos em São Paulo e aqui tem muitas assim. Na minha cabeça funcionava assim: eu olharia e por sorte receberia um olhar de volta. Eu iria sorrir e com mais sorte receberia outro sorriso. E assim a vida continuaria. Justo e simples. E de fato isso tudo aconteceu e ali eu pensei que tinha terminado. Meu casal de amigos continuou andando, atravessamos a rua e fomos para livraria. Passeamos, olhamos uns LP´s em uma estante. Rimos com os DVDs de series e desenhos antigos. Havia X-Men, House, Friends, Caverna do Dragão. Todos fantásticos.

Trinta minutos haviam passado. Eu estava rodando em algumas estantes já com um livro do Stephen King, um do Harlan Cobben e uma biografia do Aerosmith na mão quando a vi sentada em um dos pufes. A Gueixa. Na mão o livro o Lado Bom da Vida, que eu te digo que é pior que o filme homônimo. Não resisti e passei por perto, fiquei rondando sem saber o que fazer. Ela me viu. Trocamos mais olhares durante um tempo. O sorriso surgiu no rosto dela e ela se levantou. Veio na minha direção. Eu já não sabia o que fazer.

- Oi.

 -Oi.

 - Qual seu nome?

 - Osmar.

- Prazer, eu sou a Dani. Eu te vi la fora. E agora aqui. Esta me seguindo? – e riu da própria piada.

- Bom. Não sei. Talvez? – eu ri também. Queria quebrar o gelo daquela atitude corajosa dela e de pouca coragem minha.

- Seria bom eu ter um perseguidor assim, em plena quarta-feira. Você não é um perseguidor psicopata não ne? – e tornou a rir. Sua voz era suave, clara, clean. Fisicamente? Bom, tinha os olhos levemente puxados, era bonita com um lindo sorriso. Tinha mais ou menos 1,60 talvez, mas não sou tão bom com isso. Tinha um corpo bonito, mas acima de tudo tinha presença e isso que me encantou.

- Não, não. Zero psicopata. Eu posso parar de te seguir quem sabe...

- E ai qual a graça?

 - Quer, sei la, sair mais tarde?

- Toma. Fica com esse livro. Estou anotando meu telefone aqui. Eu quero o livro de volta ok. Me liga para combinarmos de você me entregar.

***

Eu e meus amigos sentamos em um café. Minha cabeça longe. Ele e sua esposa brincaram comigo. “Vi a menina conversando com você.” “Que isso hein cara. Romance em livraria. “ “Eu sou mulher e te digo. A menina é bonita.” Eu ria sem graça e só pensava em ligar. Só pensava nela.

***

Saímos à noite. Eu levei o livro. Ela estava com um batom vermelho que realçava sua boca. Parecia uma maçã. Eu estava conhecendo ela e ela a mim, então falamos de tanta coisa. Era musica, eram filmes que vimos e queríamos ver. De livros. Afinal nos conhecemos em uma livraria. Senti conforto naquele encontro, como se estivesse ali alguém além de um romance ideal.

Na segunda-feira seguinte voltei ao trabalho. Oito, nove, dez longas horas preso. E não conseguia encontra-la durante a semana. Não morávamos tão perto e o transito caótico das grandes cidades fazia tudo ficar mais difícil. E a solução eram os impessoais e às vezes mal interpretados e-mails. O mais engraçado é que tudo corria maravilhosamente bem. Ríamos, nos descobríamos. Família, historias, momentos passados. Às vezes ate planos de futuro.
Um dia, marcamos um almoço. Ela estaria por perto. E fui ate ela. Conversamos, rimos. Tudo dentro do script de uma grande amizade. E depois de uma hora e um pouco, voltei pra prisão. O mundo eletrônico separando a vida real. Decidi aquele dia ligar pra ela e sai mais cedo do trabalho. Peguei o carro e a busquei na porta do trabalho dela. Dirigi sem rumo. Ela sugeriu um motel perto. Seguimos para la.

- Olha não costumo fazer isso assim.

- Tudo bem – disse ela – sempre tem uma primeira vez. – e riu de si. Eu ri junto.

Tirei sua calça e sua calcinha de renda branca, pequena, dava contornos mais sexy´s impossíveis. Nos beijamos abruptamente. Eram mãos aqui e ali. Um ritmo cadenciado e depois frenético. Ela me sentou na cama e veio engatinhando ate mim. Como dizia a musica “Uma tigresa de unhas negras e iris cor de mel. Uma mulher, uma beleza que me aconteceu.” Seu quadril nu fazia o formato de uma pera e seus olhos atentos fixos para mim me enlouqueciam. Ela sabia como fazer e como enlouquecer. Foram bons momentos de sexo, descansos, risos e recomeços.

Ai, eu digo a você que a loucura me pegou e como toda historia que vale a diferença, foi ai que tudo ruiu. Eu queria mais, ela também. Mas eu pressionei demais. Eu não queria só o romance. Não me entenda mal. Quando queremos somente sexo, queremos um corpo. Mas todo corpo tem alma, tem alguém dono dele. Ai é fácil esquecer. Difícil é quando queremos a alma e ninguém é exclusivo. Discutimos por isso algumas vezes, e os malditos mal interpretados e-mails, que antes eram meu trunfo viraram a ruína. Um dia enviei um e-mail e a resposta nunca mais veio.

O mundo ai virou de cabeça para baixo. Lembrei-me de um texto que li do Amyr Klink, um grande navegador brasileiro sobre o barco quando virava. A vida era um barco virado e eu estava com a cabeça debaixo d’água.

Nunca a procurei, não sabia se devia. Se ela queria ou não. Eu apenas saia do trabalho e buscava noticias. Como ela estava e o que estava fazendo. Cheguei a ir à porta do trabalho dela para vê-la chegar ou sair. Nunca tive coragem de falar. O tempo foi passando, mas a paranoia não. Acho realmente que eu estava perseguindo-a e como um psicopata. È risível não é? Bom, é muito comum e mais frequente do que imaginamos.

Fiquei acompanhando-a por um tempo e martelei dentro de mim a musica do Charles Aznavour, Et Pourtant. A musica não sei cantar claro, mas a letra é assim e depois você traduz.

                                       Un beau matin, je sais que je m'éveillerai
                                         Différemment de tous les autres jours
                                      Et mon coeur délivré enfin de notre amour
                                                 Et pourtant, et pourtant
                                    Sans un remords, sans un regret, je partirai
                                       Loin devant moi, sans espoir de retour
                           Loin des yeux, loin du coeur, j'oublierai pour toujours
                                Et ton corps, et tes bras, et ta voix, mon amour


Fui fazer um curso de seis meses no Canadá. Larguei o emprego e fui de cara e coragem viver um novo mundo. Conheci canadenses, americanas, brasileiras. Trocava email com meu amigo. Isso, o mesmo da esposa que estava comigo na livraria. Ele me dizia como estava meu país. Namorei uma menina canadense por quatro meses e fui bem feliz. Aprendi muito e depois voltei. Se eu me esqueci da Gueixa? Não. Mas a vida andava se colocando no meio e os pensamentos se alternavam com intervalos maiores.

Um dia eu estava passeando pela Oscar Freire quando entrei numa loja de sapatos. Estava perto do aniversario da minha mãe e pensei em comprar logo. Ao entrar na loja, ali, experimentando um scarpin e uma bota de couro, e ai te confesso que a imaginei só com aquelas botas, estava a Gueixa. Nos olhamos um tempo e dessa vez eu tive a coragem de falar.

- Oi.

 - Oi.

- Você aceita um café?

- Não acredito que você continua me perseguindo – e riu da sua piada.

 - Posso te esperar la fora?

 - OK.

Fomos a um café e conversamos muito. Sobre tudo que aconteceu. Ela me disse que viajou. Que não quis responder meus emails. Que estava irritada. Mas que depois tudo passou e simplesmente a vida se colocou no caminho. Eu contei sobre a minha viagem. Não falei do que fiz ou do que pensei. Fingi tudo. Espero que ela também tenha fingido.

                         ‘Era só uma menina e eu pagando pelos erros que nem sei se cometi.
                                  Se eu queria enlouquecer, esse é o romance ideal’


Ela tagarelava como se nunca tivéssemos brigado. E eu adorava isso. Era como se talvez eu a tivesse comigo de novo. Psicopata batendo à porta? Sim, talvez. Acho que na verdade é difícil lidar com rejeição. Dói, falta ar. Alguns pequenos prazeres se perdem talvez. É difícil encarar isso, tem que ter estomago. Ela pediu um bolo. Eu voltei ao assunto, queria uma explicação real. Falei meus motivos. Tentei me explicar.

- Ta bom e ai?

 - Como e ai?

- O que quer com esse discurso? – e Dani estava séria, receosa.

- Você um dia disse que seus amigos podem pegar sua comida. Eu ainda posso?

 - Quer meu bolo?

                                                                        Et pourtant..
                                                           Pourtant, je n'aime que toi
                                                                        Et pourtant..
                                                          Pourtant, je n'aime que toi
                                                                       Et pourtant..
                                                          Pourtant, je n'aime que toi
                                                                      Et pourtant..


Dizem que a gueixa conquista um homem com um único olhar. Não passa da mais pura verdade.