quarta-feira, 31 de outubro de 2012

31 de Outubro de 1902


Drummond (Rafael França)

Drummond, gostaria de lhe falar,
(Gostaria de ter podido lhe falar)
Que o que vens escrevendo, para mim,
Não há quem, algum dia, possa igualar

Não é pelo tanto de palavras bonitas
(São bonitas, suas palavras, um tanto)
Mas por como as faz desse jeito,
Como tira-lhes, em litros, o pranto

Gostaria de te escutar agradecer
(Como em seu sorriso, agradecia)
Pelas palavras que podia usar
Pelo que por ti, Itabira crescia

Se eu tivesse tido essa oportunidade
(Oportunidade, que com muita força agarraria)
Preocuparia-me com a alma dentro de seus olhos,
E com a de dentro dos meus, eu lhe agradeceria.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Atestado de óbito (Paulinho Cerezo)



Atestado de óbito (Paulinho Cerezo)

Quero renascer nesta terra,
Onde uns homens jogaram sal
Para não brotar mais nada.
Onde minha pátria foi escarnada,
Escarrada,
Expropriada,
Espancada, 
Exilada de si mesma,
E, extenuada, 
Tentou suicídio em tupi.

Ouvem-se muito mal 
Seus estertores,
Pois taparam-lhe a boca.
Seu leito de hospital 
É no meio do corredor, no chão.
No seu peito dá um comichão,
Mas não reage.
Seus olhos imploram pelo sacrifício,
Mas um comício eterno
É uma amostra inefável
Do seu inevitável inferno.
"A roupa do Diabo só pode ser terno",
Murmura,
Em um raro lampejo de consciência.
Depois olha em volta,
Com vergonha de alguém ter ouvido.

Uns fazem-lhe preces,
Outros pedem a extrema unção.
Uns querem o meio-termo:
Que fique só meio-viva
(Ou meio-morta, sem reação).

"Doença causada por parasitas",
Diagnostica um falso médico.
Que seja, é de graça!
- Tome, minha mãe, 
remédio de farinha: cura e alimenta;
sopa, sem sal, que o coração vai mal.
E ela se retorce,
Como quem nunca diz
Que está incomodado.
- Hoje tem futebol,
Ela sorriu, quase.

Amanhã vai acordar doendo,
Agonizando,
E morrendo,
E morrendo,
E morrendo,
Pelo infinito tempo
Em que viverão aqui os usurpadores,
Sobre o bendito solo que secaram
E malograram,
Onde eles arrancam de mamãe
Os pés de imbondeiro pela raiz.

Aliás, arrancam, não.

Mandam um negrinho fazê-lo,
Que dói muito as costas.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Idílio

Idílio


Que mesmo leve e tenro
Tem seu lado profundo
E mesmo com ar sereno
Podes me fugir ao mundo

Que tristeza, que tristeza!
Igual ontem, rio dessa dor
E assim, com tal delicadeza
Me tens, e matas, seu amor

(RR de França)

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Púrpura

Púrpura


Perante ti me vestirei de realeza,
Tendo atravessado Universos
Sobrevivido à Natureza
Não vendido os meus versos

Por bravura e coragem e vontade
Sem temor ou remorso ou fraqueza

Banhado no sangue de Fafnir
Renegado o poder absoluto
Prometendo nunca partir
Nunca lhe deixar no escuro

Por inteligência e franqueza
Sem prepotência ou vaidade

Por amar-te sem privação
Vestir-me-ei de realeza
Com a púrpura do seu coração
E a permissão de sua beleza

Planeta Terra, 17 de Outubro do ano 2012 de Nosso Senhor.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

IN MEMORIAM



IN MEMORIAM
         O despertador tocou e, como já era de se esperar, Cláudio não apresentou qualquer reação. E não era um toque desses de hoje em dia, de telefones que têm-se visto por aí, não! Era uma daquelas relíquias, com dois apêndices côncavos prateados, no cimo do relógio, com um badalo no meio. Vermelho. De corda. Cláudio gosta de quinquilharias e objetos antigos.
Costuma chamar de retrô, ou vintage. Vê se pode! Ele guarda tudo amontoado em seu sujo e bagunçado quarto. Discos de vinil e um toca-fitas. Uma camiseta do fluminense, campeão carioca de 71 e um boné do Nigel Mansel. Um poster do Jaspion, um The best of the beast, um Rayito de Sol para os dias de praia e os K7’s do Saturday night fever, para o dia a dia. Todas as temporadas! Afinal, quase sempre, nunca ia à praia. Cria sua coleção de ácaros em livros e sempre que pode, passa uma vista no “Catcher”. Guarda com carinho um cachorrinho que anda, late e dá piruetas, trazido por seu pai numa de suas incursões ao Paraguai. Ele diz que o pai trabalhava com comércio exterior. Ah, o bom e velho (e mau) humor do Cláudio. Sempre exagerado. Na parede, um relógio que parece de pulso, só que gigante. Quando sai às ruas leva a tira-colo seu amigo inseparável: um indelével discman. Em seu porta-CD’s tinha desde Roberto Carlos até Megadeth. Às vezes levava na pochete mesmo, mas arranhava os CD’s. Não que ele se importasse. Tem um ótimo gosto musical e gosta muito de música. Anda impressionado com a péssima qualidade do que vem sendo lançado no mercado. Sente saudades do Backstreet Boys e do Biafra. De novo e bom, mesmo – “Só o Jorge !” – diz ele.
Naquele dia, Cláudio, que houvera pegado o mesmo ônibus, na mesma parada e no mesmo horário, chegou atrasado no trabalho; o que já era de praxe. Como sempre, levou um pito do patrão e deixou a suntuosa sala, cabisbaixo. Saiu resmungando, sentou-se em sua baia e continou seu serviço rotineiro. Dia desses me ligou – diga-se de passagem, seu telefone é daqueles de girar, lembra?  - para reclamar. Disse que sua vida anda um tédio, até que não anda. Parece ainda, que anda p’rá trás. Cláudio gosta mesmo é de guardar tudo que é velho.

Thiago Zefiro, Duque de Caxias, Dia das crianças, 2012.

terça-feira, 9 de outubro de 2012


Soneto do desprezo mútuo (Paulinho Cerezo)


Se há mais desprezada criatura,
Nenhuma, talvez, alada.
E os que por ti têm nada,
Carregam, ao menos, conjecturas:

Por conta de andares em bando,
Também de teu inegável abuso,
Do respeito, que caiu em desuso,
E da cloaca sempre apontando.

És temido em toda praça,
E se ouvem teu arrulho,
Já imaginam-se em desgraça;

Sopra o ar n´um mergulho,
Infla o peito de orgulho,
E caga no homem que passa.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

PROSA (Thiago Zefiro)

PROSA

Hoje em dia,
ninguém mais quer saber de poesia.
Nem a mãe, nem a vó e nem a tia
Nem a namorada, em noite fria
Quando a lua se enche em primazia.

Ora, não mais se faz a serenata
Sentimento caindo qual cascata
Não mais o romance que arde, mata
Mas que fere, ignora e destrata
amando qual fosse primata

Não mais a aurora brilhante,
Crescendo como semente
Os olhos rasos de água. Pura, limpa.
O amor.
Dos casais impossíveis,
Proibidos, pervertidos, amaldiçoados.
Mas que tinham finais felizes.
Numa noite de verão,
perdeu-se nas linhas profanas de uma prosa qualquer.

Thiago Zefiro

domingo, 7 de outubro de 2012

Adeus Rio


Adeus Rio

Adeus Rio, já não me mereces mais
Não mereces meu amor incondicional
Abstraiu-me a tranquilidade, a paz
Com seu belo Sol, estrela irracional

A Deus Rio, deves – e muito – agradecer
Sem Sua paixão por essa cidade
Estaria às traças, se vendo esmorecer
Por conta de pequenas vaidades

Adeus Rio, esses tantos com quem divido as ruas
Já não moram em meu coração, não me são semelhantes
Pois esses só a querem por luxo, sempre nua
Tiram-lhe o que de bom tem pra dar, como as amantes

A Deus, Rio, deves parar de zombar
Sua misericórdia, como no livro, tem limites
Não há de que, depois, se lamentar
Quando for devorado por seu próprio apetite

Adeus Rio, não é por Ti, ou suas belezas,
Delas jamais me cansarei, jamais me esquecerei,
É por seu povo, que esbanjará tristezas
Por eles já mais nada, nem um sorriso, aguentarei

A Deus Rio, tente não, novamente, suplicar
Seu povo fez a escolha, e pelo resultado
Uma escolha consciente, para não reclamar
Mesmo que doa, como no negro passado

A Deus Rio, para Seu lado hoje prefiro ir
Adeus Rio, não chore, ao me ver partir.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Bar Luiz II (ou O Almoço)


Sentei à mesa com olhos de criança
Na cadeira ao lado, meu passado
Dividimos a mesa com a esperança
De nada ter dessa vida apagado

Reencontrei velhos e queridos amigos
Ausentes, guardados na gaveta
Dividir tanta angustia eu só consigo
Com meu querido gravata-borboleta

Olhei ao redor, o que ainda não mudou
As mesmas portas, as mesmas paredes
Pintadas de lembranças, ninguém apagou
Pra nunca afastar este assíduo hóspede

Pedi o cardápio, por pura bobagem
Para me sentir, quem sabe, patrão
Mas, como sempre, não tive coragem
Fui servido com o que me era padrão

Não daria para reclamar, sequer,
Esse prato me agrada demasiado
Garfadas, goles, risos de mulher
Por momentos, me alimento calado

Uma mão no bolso, uma ao céu
Mais um gole de infância perdida
Deixei um extra, é o meu papel
Levanto-me, e volto à minha Vida.

Rua da Carioca 39, Rio de Janeiro, 05/10/2012