quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O Tolo na colina


Como por um triste acaso
Nasceu ali, naquela colina
Quem, sem sair do lugar,
Sem virar, ao menos, uma esquina

Mudou o mundo, mudou tudo

Naquele topo de terra
Com os olhos castigados
Enxergava além, pensava além,
E com olhos marejados

Mudou o mundo, mudou tudo

Chamaram-lhe de tolo
Queixaram-se por despeito
Não perceberam
O que por fim havia feito

Mudou o mundo, mudou tudo

O Sol que todo dia via nascer
O mesmo Sol de todo dia a se pôr
Ensinou-lhe a ter alma
Algo perdido nesse mundo de dor

Mudou o mundo, mudou tudo

Não entendiam o por quê
Nunca saiu, Nunca desceu
Não entendiam o valor
De um homem ter o que é seu

Mudou o mundo, mudou tudo

Perguntaram-lhe por vezes
Inumeras, o por que dessa prisão
O por que do auto exílio
A resposta nunca mudou, o coração

Mudou o mundo, mudou tudo

Naquela colina, ele nasceu,
Cresceu  e acabou morrendo
Ali, sem remorso algum
O Tolo morreu aprendendo

Mudou o mundo, mudou tudo

Que para mudar o mundo
Para não sentir tanta dor
Tem-se que se entregar
Vê-lo e senti-lo girar em seu esplendor

E a resposta a pergunta de todos
Jamais haveria de mudar
Conhece o mundo, conhece a si mesmo
E só assim poderá, de verdade, amar.

E, mudou seu próprio mundo, mudou seu próprio tudo.

Rafael França, 26/09/2012

sábado, 22 de setembro de 2012

Literal


Escrevo poesias por que gosto
Gosto de idéias no papel
De ver a tinta vazar da caneta
Gosto, muito, dos sentimentos afora
Em pedaços de literatura


Não o faço por ofício
Isso de nada me adiantaria
Não tenho vocação profissional
Uso o coração, para o que serve
Viver, chorar, amar, ser amado

Meu interesse é estético
Às vezes até mesmo literal
Eu sinto em versos
Amo em estrofes
Sofro em rimas tantas
Regozijo-me em palavras
Eu morro em métricas

Satisfaço-me em rimar
Com a dificuldade de achar
boas letras pra cada batimento
Boas rimas praquele tempo
Praquele templo em corpos
Distintos e inseparáveis

Se ponho em língua minha dor
Em ritmo decassílabo o prazer
Em redondilhas a saudade
também ponho na ponta do lápis
O presente, o passado,
E por vezes, porei o futuro...

Vale-me dizer que de tanto ler
Hoje escrevo para não apagar
Da memória o que presenciei
O que toquei, cheirei, provei, ouvi
Largo com fúria sobre a pena
Tudo aquilo que, dia, intuí.

(Rafael França, Rio de Janeiro, 21 de Setembro de 2012, Século XXI)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Blackjack



Boa noite, é o que vos deixo.
Madrugada e  já vou indo.
Buscando sonhar os sonhos.
Juntos. Lúcidos. Lindos.

Vou-me aos braços de Morfeu
Que me ilude, em forma assaz
Como se fosse a amada
Que tanto me satisfaz

Piso em falso e sigo em queda
Qual água que corre macia
Deixo levar-me a cascata
Ludibriado em fantasia.

Salvo por sabedoria mor,
De uma ave de rapina.
Era Ícelo, criou asas.
Fria coruja, assassina.

Me matou até os sonhos,
Sequer pude despedir
Dos vizinhos, das crianças
Nem sequer um “bon nuit”.

Thiago Zefiro

Paroxitonos


Nascido
Puro
Cuidado

Jovem
Bobo
Ousado

Adulto
Sério
Quadrado

Velho
Leso
Usado

Nascido
Inocente
Adaptável

Jovem
Louco
Inflamável

Adulto
Labuta
Incansável

Velho
Probo
Inevitável

Infância
Brincadeira
Felicidade

Juventude
Besteira
Irresponsabilidade

Feito
Futuro
Possibilidade

Velhice
Passado
Saudade

Nascido
Crescido
Vivido
Esquecido!

sábado, 15 de setembro de 2012

Carta ao França

Duque de Caxias, 09-04-2012

Carta ao França

Poesia é um lixo.
Não a sua. Nem a minha.
De Pessôa, alguma.
Digo, toda poesia é lixo.
Não vale nada.
Não tem valor.
Nem preço.
Mas tem apreço.
Tem adereço.
Endereço.
Ah, esse como tem !
Quem ama, o sabe bem.
E quanto aos valores,
Te digo,
Meu caro amigo.

Thiago Zefiro

sexta-feira, 14 de setembro de 2012


 Carta para Sofia (Paulinho Cerezo)


           Inclinou-se sobre mim, beijou-me a fronte, virou-se, murmurou algo. O beijo pareceu mais gelado e distante do que o último planeta do Sistema Solar. Fosse outros tempos e eu sentir-me-ia enternecido, mas o corpo de Sofia ainda me despertava ardentes anseios, embora houvesse já perdido algum viço da mocidade. Aprazia-me, ainda, a idéia de enlaçá-lo com meus braços, mesmo tendo a certeza de que meu braço esquerdo adormeceria antes de mim.

  Aquele seu horrível dedo mindinho do pé que me estorvou por anos me leva, agora, a compará-lo a um pequeno fio de cabelo encontrado em um apetitoso manjar; não seria um empecilho significativo a ponto de me fazer abandonar o deleite do acepipe. No entanto, tenho desfrutado tão pouco desse quitute que seria melhor não fazê-lo, visto que é muito pior ter apenas uma parte de um agradável prazer do que não saber de sua existência. E tratando-se desse portentoso e alvo manjar ao meu lado, ainda há como somatório o fato de já muito ter regozijado-me com ele. O suco de Sofia (eu a espremia carinhosamente de tanto desejo) era como um dulcíssimo mel, conquistado pelas grotescas mãos de um urso perdido em uma modorrenta floresta. É incredulante como um bruto animal é capaz de cuidar tão delicadamente de um favo de mel que lhe apraz. De tê-la, assim, em minhas mãos de urso (conquanto seja relevante dizer que não sou tão hirsuto ou muito menos tenho o tamanho de um), foi que tanto esforço fiz para que, ainda que a pudesse segurar com firmeza, também conseguisse dela extrair toda a doçura.
Durante alguns poucos anos, pude contemplar seus inúmeros sorrisos, tão vitais quanto o oxigênio presente no ar atmosférico, e comprazia-me, tal criança ante um simples gracejo. Quando, neste leito de morte do nosso amor, teus cabelos me enredavam, eu só os afastava um pouco, sem reclamar, e me deixava com a sua desnudada nuca. Sua ausência de perfume industrial, obstante minha alergia, deixava o cheiro cru de sua pele a balsamar meus sonhos, onde aparecia linda, dourada, e fazendo chacotas de nossas vicissitudes.

Alguma coisa nublou seus sorrisos, Sofia, e necrosou meu coração. Dorme, sonha com dias melhores, busca ser feliz, que eu também já não sou. Mas é incrível como você ainda parece um anjo, dormindo, enquanto pesa sobre meus músculos a incapacidade de resgatar seu amor de um infindável poço de tristeza. Estes pensamentos são como vermes que me comem vivo. Dorme, sorria nos seus sonhos, que, nos meus, seu sorriso é sarcástico e até demoníaco. Não quero mais, Sofia. Esses olhos redondos e expressivos, que lhe são bem atribuídos, ainda possuem a árdua tarefa de iluminar o mundo, assim como o sol, e não serei o responsável por deixar que se extinguam. Aproveito seu sono pesado e saio sem pressa. Até requentado é bom esse seu café. Acho que te vi sorrir enquanto dormia. Acho que vou chorar quando chegar à esquina. Acho que ainda te amo, mas acho mais ainda, quer dizer, tenho quase a certeza, de ter-te amado mais do que às outras. Sinto muito amor. Sinto muito, amor, sinto muito.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

La Fée Verte


Oh! Musa irresponsável
Fada dos meus delírios
Que me consome sem culpa
Como inocente satírio

Em quantos goles me leva
Para as partes obscuras
Dos corpos, mentes, almas
Vidas perdidas, imaturas

Não me nego, não me esgueiro
Do beijo letal, letárgico
Que me dá, sem mínimo pudor
Como as damas do bailarico

Sucumbo a vós, ó, infiel
Dona de todos os auspícios
Sem sua doce e quente luxúria
Que me cativem num hospício

Sem a liberdade de seu amor
Sem o beijo de seu frasco
Não posso imaginar o viver
Sem que me seja carrasco

De que me vale, ó, cruel
Sem a boemia do teu odor
Alucinar de coisa mais
Que não seja o puro sabor

De cada sedução de minha pena
És tu a única culpada
E cada passo dado à miséria
Te rogo minha praga

Por fim, regresse-me além
De tudo que meus olhos viram
Deite-me então em suas ervas
Que meus sonhos traduziram



segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Se me permite (Rafael França)

Voce, se me permite, lhe falar,
Nossa festa é mais do que escrever
E o que temos nesse anacoluto?
Escondemos nele, nosso grande prazer

Nesse almanaque, coisa simples,
Escrevem quatro amigos, em vão,
Mudar o mundo, ou a si mesmos?,
Vontade enrustida no coração

Um Dia Na Feira


Quinta-feira é dia de feira. Assim como quarta e sexta. Sábados e domingos também o são, mesmo tendo negado seus sobrenomes. Terça já foi, mas se juntou ao serviço de segunda, um laborioso dia de descanso.

José Tibúrcio gosta de chegar cedo, junto com sua esposa Carminha:

-Isso é trabalho de velho! Sabe velho, que não quer ficar parado dentro de casa? Então. Isso é trabalho de velho.

Quando chegam em sua velha Kombi amarela, a armação da barraca já está montada. Com o padronizado toldo vermelho e branco. Ela já foi maior, e já foi deles, mas a demanda já não é a mesma de outrora. “Já vendi toalhas a R$15,00, mas aí foi ficando R$18,00, R$20,00, R$25,00 e hoje é R$30,00. Aí não dá.” E às 6:40 h tem início a transformação. As duas barracas recebem novas ripas, cordas, balcões, mostruários e suportes. Para não estragar a mercadoria (roupa também queima ao sol), uma lona maior cobre o novo “conglomerado”. Neste único ponto, Seu José, 77 anos, pede ajuda ao feirante vizinho, e com ele executa um exercício inimaginável para alguns sessentões.

Seu José, como é conhecido entre suas clientes, confia em uma antiga caixa de frutas, de madeira boa, como escada. Ali de cima dança o bamboleado dos pregos frouxos  e amarra cada ponto de sua barraca. O novo toldo é amarrado nas grades e portões dos vizinhos, não sem que antes seja pedida a devida licença, mesmo sem o vizinho presente.
Tudo na barraca é pensado. Atrapalha quem pensa que ajuda. Antes mesmo de a barraca estar completamente arrumada (isto só acontece lá pelas 10:00 h), possíveis clientes já xeretam um preço ou outro. E então chegam seus clientes de verdade.

- Dona Neide, a senhora compra comigo há quanto tempo? Uns 6 meses?

- Sou sua cliente há 35 anos, Seu José! responde uma orgulhosa senhorinha de 85 anos. – Lembro pois comecei a comprar com o senhor quando minha neta nasceu. Vim acertar o que lhe devo. Dona Neide limpa seu nome para fazer mais uma dívida com novas blusas e calças que não lhe causam alergia.

Outra cliente orgulhosa responde sem ser perguntada:

- Também sou bem antiga! Comprei aqui o enxoval da minha filha.

Há também alguns percalços:

- A gente deixa comprar fiado, mas aí morre e ninguém assume a dívida. Uma senhora que sempre vinha aqui faleceu de uma hora para a outra. Mas ela também comprava algumas roupas no centro, então como vou provar para a família que ela me devia R$400,00? Perdi essa. Tem também outra senhora, que a filha e anora compravam aqui comigo, mas quando morreu todo mundo sumiu. Mais R$150,00 que não vou ver.

Fiel aos seus clientes perpétuos, Seu José não se permite ficar em casa. Ainda espera a renovação de sua licença de feirante.

Deixemos de conversa. Meio dia é hora de desmontar tudo e ir para casa.