O Almoço (ou Bar Luiz)
Resolvi me dar um almoço de presente.
Não, não é uma data especial, é apenas um capricho que todo Homem deve se dar
vez ou outra. Saí de Botafogo em direção ao centro, onde cresci. A Rua da
Carioca, entre o Largo da Carioca e a Praça Tiradentes costumava ser o paraíso,
e era para lá que eu me encaminhava, com sede de lembranças e uma fome um tanto
castigante. Em meio ao novo comércio da Carioca, ainda se erguiam alguns
recintos que fazem parte da nossa história. Em meio aos despercebidos cidadãos,
ainda se vêem alguns da mais bela estirpe da cidade. Gosto de pensar que eu sou
um desses. Um desses que tem apreço pelo que é tradicional, pelo que é belo, pelo
que foi base do meu crescimento. Sigo, na direção da Praça Tiradentes, com passos
lentos e observadores. Ao meu redor, noto entre tantas lanchonetes, lojas mal
organizadas, o Bar Flora, ainda de pé, ainda forte. Mas não é ali meu destino,
é um pouco mais a frente, entre a clássica loja de instrumentos À Guitarra de
Prata e o clássico e decadente – desde sua criação – Cine Íris, onde passei
parte de minha adolescência, buscando instrumentos para saciar meus prazeres –
musicais e luxuriosos. O numero é 39, e o nome, é Bar Luiz. Fundado em 1887,
quando Dom Pedro II ainda era Imperador e fingia governar o país, com outro
nome, estabeleceu-se ali no 39 da Rua da Carioca em 1916, por problema de
locação, já com o novo nome devido a lei de valorização da língua nacional de
1915. Dali, não se mudou mais. Claro que teria que ser ali, naquele recinto onde
me fiz homem. Mas essa é outra história. Adentrei. Com a cabeça levantada, os
pés em ponta e os olhos perdidos se depararam com meu ilustre amigo
Gravata-borboleta. Seu nome é Jerson, e desde que me entendo por gente, ali, é
ele quem me serve... perfeitamente. Quando o vi, já sabia que minha mesa estava
pronta e a minha espera. Não sei se por interveniência divina, por acaso, ou
mesmo por condição instintiva, não importa a hora, eu sempre chego lá cinco
minutos antes de lotar. Eu não quero parágrafos nesse texto para não perder a
continuidade, mas peço uma pausa, para um gole de cerveja e um adendo. À altura
que estou sentado me alimentando saborosamente, faz-se uma fila enorme do lado
de dentro e de fora do local, cheio de ávidos senhorios buscando saciar seu
paladar. Retornando. Ao sentar-me na mesa, que no horário do almoço é enorme
para uma pessoa, mas não cabe quatro, a velha recepção de sempre. Um abraço
caloroso, meu chope gelado sem precisar pedir, o sorriso leve de Gravatinha
e... peço o cardápio, para sua surpresa. Às vezes o peço somente por desencargo
de consciência, ou metidez, já que o conheço de cor e salteado, de outros
carnavais. Gravatinha se vai, desempenhar a mesma função para as outras mesas
do seu quadrante. Passo a vista na carta, e como desconfiava minha intuição, a
pedi somente por desencargo de consciência, ou metidez. O prato é o mesmo que
peço a pouco mais de uma década. O suculento Empanado de Frango – acebolado –
com batatas coradas (essa é a pedida do almoço, à noite os hábitos mudam), que
degusto com um prazer quase infantil. Engraçado escutar do Gravatinha que ‘aquele meu amigo pediu a mesma coisa ontem’.
Hábitos antigos dificilmente morrem. E, não diferente, já empanturrado, faço
questão do pudim com ameixa, sem o qual meu almoço ali não está completo. Desde
o momento que começo a comer o empanado, até o momento que peço para o
Gravatinha trazer a dolorosa, abstraio tudo ao meu redor, com exceção do
falatório das mesas, dos gritos dos outros gravatas, ‘me dá um claro’, ‘dois escuros e um garoto’, ‘pudim sem ameixa’,
‘frango’, ‘carne’, ‘bolinho de bacalhau’, ‘fecha mesa 4’, ‘viajando na mesa 17’,
do tilintar de talheres nos pratos, dos gritos por lugares na porta. O resto,
eu abstraio tudo. E me lembro, do meu amor, de velhos amigos e companheiros,
hoje ausentes, bebedeiras memoráveis, fla-flus inflamáveis, choros, sambas,
alegrias, tristezas, dias, noites e madrugadas. E com lágrimas nos olhos, pelo
que está acontecendo com o estabelecimento nesse momento difícil, pelo que está
para acontecer de trágico na minha vida, quando os pés puser fora daqui, dou a
ultima colherada no pudim e peço a conta. Deixo para o Gravatinha sua parte,
por fora, coloco um palito na boca para mastigá-lo, vou ao banheiro. Na volta,
minha mesa já está tomada, por dois rapazes que ali frequentam a pelo menos
umas quarenta primaveras a mais que eu. Despeço-me dos conhecidos, do
Gravatinha, dos outros gravatas, peço licença e abro caminho por entre os “em pé” na porta se engalfinhando por um
lugar em alguma mesa. Saio, retornando à vida, ao mundo, me perguntando se a
cidade merece que o bar se mude mais uma vez.
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