quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Almoço (ou Bar Luiz)

O Almoço (ou Bar Luiz)


Resolvi me dar um almoço de presente. Não, não é uma data especial, é apenas um capricho que todo Homem deve se dar vez ou outra. Saí de Botafogo em direção ao centro, onde cresci. A Rua da Carioca, entre o Largo da Carioca e a Praça Tiradentes costumava ser o paraíso, e era para lá que eu me encaminhava, com sede de lembranças e uma fome um tanto castigante. Em meio ao novo comércio da Carioca, ainda se erguiam alguns recintos que fazem parte da nossa história. Em meio aos despercebidos cidadãos, ainda se vêem alguns da mais bela estirpe da cidade. Gosto de pensar que eu sou um desses. Um desses que tem apreço pelo que é tradicional, pelo que é belo, pelo que foi base do meu crescimento. Sigo, na direção da Praça Tiradentes, com passos lentos e observadores. Ao meu redor, noto entre tantas lanchonetes, lojas mal organizadas, o Bar Flora, ainda de pé, ainda forte. Mas não é ali meu destino, é um pouco mais a frente, entre a clássica loja de instrumentos À Guitarra de Prata e o clássico e decadente – desde sua criação – Cine Íris, onde passei parte de minha adolescência, buscando instrumentos para saciar meus prazeres – musicais e luxuriosos. O numero é 39, e o nome, é Bar Luiz. Fundado em 1887, quando Dom Pedro II ainda era Imperador e fingia governar o país, com outro nome, estabeleceu-se ali no 39 da Rua da Carioca em 1916, por problema de locação, já com o novo nome devido a lei de valorização da língua nacional de 1915. Dali, não se mudou mais. Claro que teria que ser ali, naquele recinto onde me fiz homem. Mas essa é outra história. Adentrei. Com a cabeça levantada, os pés em ponta e os olhos perdidos se depararam com meu ilustre amigo Gravata-borboleta. Seu nome é Jerson, e desde que me entendo por gente, ali, é ele quem me serve... perfeitamente. Quando o vi, já sabia que minha mesa estava pronta e a minha espera. Não sei se por interveniência divina, por acaso, ou mesmo por condição instintiva, não importa a hora, eu sempre chego lá cinco minutos antes de lotar. Eu não quero parágrafos nesse texto para não perder a continuidade, mas peço uma pausa, para um gole de cerveja e um adendo. À altura que estou sentado me alimentando saborosamente, faz-se uma fila enorme do lado de dentro e de fora do local, cheio de ávidos senhorios buscando saciar seu paladar. Retornando. Ao sentar-me na mesa, que no horário do almoço é enorme para uma pessoa, mas não cabe quatro, a velha recepção de sempre. Um abraço caloroso, meu chope gelado sem precisar pedir, o sorriso leve de Gravatinha e... peço o cardápio, para sua surpresa. Às vezes o peço somente por desencargo de consciência, ou metidez, já que o conheço de cor e salteado, de outros carnavais. Gravatinha se vai, desempenhar a mesma função para as outras mesas do seu quadrante. Passo a vista na carta, e como desconfiava minha intuição, a pedi somente por desencargo de consciência, ou metidez. O prato é o mesmo que peço a pouco mais de uma década. O suculento Empanado de Frango – acebolado – com batatas coradas (essa é a pedida do almoço, à noite os hábitos mudam), que degusto com um prazer quase infantil. Engraçado escutar do Gravatinha que ‘aquele meu amigo pediu a mesma coisa ontem’. Hábitos antigos dificilmente morrem. E, não diferente, já empanturrado, faço questão do pudim com ameixa, sem o qual meu almoço ali não está completo. Desde o momento que começo a comer o empanado, até o momento que peço para o Gravatinha trazer a dolorosa, abstraio tudo ao meu redor, com exceção do falatório das mesas, dos gritos dos outros gravatas, ‘me dá um claro’, ‘dois escuros e um garoto’, ‘pudim sem ameixa’, ‘frango’, ‘carne’, ‘bolinho de bacalhau’, ‘fecha mesa 4’, ‘viajando na mesa 17’, do tilintar de talheres nos pratos, dos gritos por lugares na porta. O resto, eu abstraio tudo. E me lembro, do meu amor, de velhos amigos e companheiros, hoje ausentes, bebedeiras memoráveis, fla-flus inflamáveis, choros, sambas, alegrias, tristezas, dias, noites e madrugadas. E com lágrimas nos olhos, pelo que está acontecendo com o estabelecimento nesse momento difícil, pelo que está para acontecer de trágico na minha vida, quando os pés puser fora daqui, dou a ultima colherada no pudim e peço a conta. Deixo para o Gravatinha sua parte, por fora, coloco um palito na boca para mastigá-lo, vou ao banheiro. Na volta, minha mesa já está tomada, por dois rapazes que ali frequentam a pelo menos umas quarenta primaveras a mais que eu. Despeço-me dos conhecidos, do Gravatinha, dos outros gravatas, peço licença e abro caminho por entre os “em pé” na porta se engalfinhando por um lugar em alguma mesa. Saio, retornando à vida, ao mundo, me perguntando se a cidade merece que o bar se mude mais uma vez.


Nenhum comentário:

Postar um comentário