O relógio marcava aproximadamente quatro horas da tarde. Era
quinta-feira e eu estava novamente na rua onde percebi o menino pela primeira
vez. O menino estava crescido, mais experiente, diferentemente de antes quando
apenas um pequeno garoto. Mas ele estava ali presente, grande, mudado, mas
ainda o mesmo menino. Lembro-me com detalhes daquele nosso encontro.
***
Andava rapidamente quando percebi o menino inquieto e
desconcertado. Insipiente e triste. Como muitos garotos de sua idade, claro,
mas de uma forma mais intensa. Com mais calor e bravata. Com cuidado perguntei
ao garoto:
- O que aconteceu com você Garoto?
- Eu perdi minha Andorinha.
- Como assim perdeu, ela não fica em uma gaiola?
- Não! – respondeu com incredulidade e aspereza à minha
pergunta. – Somos amigos e amigos não colocam outros amigos em prisões. O
problema é que foi o que fiz no fim das contas.
- Não entendi muito bem Garoto. Conte pra mim o que
aconteceu. – Nesse momento lágrimas sinceras porem escuras (pode ser que
lagrimas de remorso tenham essa cor) brotaram não só dos olhos, mas como do
peito do Garoto.
- Eu encontrei a Andorinha sem querer. Ela era altiva, livre
e forte. Não se importava com outros pássaros e suas tradições como a gaivota do
livro do Richard Bach. Era ela e o mundo. Sempre foi. E um dia ela pousou pra
mim. E descobri que ela falava!
- Falava? Como assim Garoto?
- Ela falava! E sua tagarelice me encantava, intrigava. Ela
ia e vinha quando queria. Passou a vir bem mais que ir. Passei a sair todo dia
à espera da minha Andorinha. E de seus voos, suas acrobacias. Mas um dia,
atordoados sentimos solidão um com o outro. Sentimos distancia. E cometi um dos
maiores erros que poderia cometer: fui além.
- Além? – perguntei.
- Isso. Eu a sequestrei pra mim. Quebrei sua asa e a enjaulei
comigo. Ela ainda ia e surpreendentemente ainda voltava. Mas eu já havia
maculado tudo. Eu senti tanto receio de não poder ver seus voos acrobáticos e ouvir
sua voz, seu canto. Não conseguia aceitar que ela era realmente livre. Seus
voos começaram a ficar irritantes e sua falsa presença começou a me incomodar.
Sentia que ela só voltava por que já havia sentido algo por mim e não queria mudar
nada. Senti que era pena. E vi depois que não, que eu estava enganado. Vi que
era sincero. Mas já era tarde.
- Por que tarde Garoto? Nada na vida é tarde.
- Já era tarde, eu te digo com certeza. Eu já a havia
enjaulado num sentimento de carinho e piedade. De gratidão e distancia. E sua
asa quebrada a impedia de voar perto de mim. A cada vez que ela ficava longe
sua asa curava e voava alto. E cada vez que ficava perto sua asa murchava. E
ela ficava calada. Inerte. Já não saiam palavras, mas pios de melancolia. E por
fim parou de falar comigo.
- Nossa Garoto. É bem triste não é?
- Muito – a tristeza se tornava cada vez mais evidente - ainda
mais por que no fim de tudo entendi o que aconteceu. Eu quis demais e não soube
entender o que era. Decidi que ela ficaria melhor sem mim. Voando alto consigo
mesma. Senti que a mudei e queria que ela pudesse realmente ser feliz e reencontrar
seu caminho. E vi que era hora de andar o meu. Mas estou triste por que perdi
minha Andorinha. E como eu gostava dela.
***
Eu já estava parado há algum tempo observando o Garoto,
agora Homem pensativo. Era nítida a maturidade, a clareza de espírito que
emanava desse Homem. E depois de tanto tempo o questionei novamente:
- E agora Homem? É nítida sua mudança. Você sabe o que
aconteceu com a sua Andorinha? Você ainda se importa?
- Não é minha Andorinha, nunca foi. E o erro começou ai.
Quando achei que era dono de alguma coisa. Não existe meu. Não existe ego. Não
pode existir.
- Nossa, realmente houve mudança Garoto.
- É, sou Garoto, mas sou Homem. E sim, me importo. Penso que
a Andorinha que conheci está bem. Amizade não é escolha de nenhuma das partes. É
parecido com amor. Você simplesmente tem, independente da reciprocidade, da dor
ou dos erros. Ou sequer de acertos. Amizade é um paralelismo sem igual. Sem diferenças
ou semelhanças. Nunca ver, mas existir.
O Homem-Garoto não respondeu. Por que essa resposta ele sabe
que eu sei. E agora, depois de tanto tempo, eu, o Homem-Garoto ando por ai, em
quintas-feiras, perto das quatro da tarde, falando da historia de como perdi a
Andorinha e o que aprendi.
irado meu irmao... muito maneira, andorinhas não se devem enjaular... nada nesse mundo...
ResponderExcluir