domingo, 6 de outubro de 2013

Amizades - Parte I - A Andorinha e o Garoto

Amizades - Parte I - A Andorinha e o Garoto


O relógio marcava aproximadamente quatro horas da tarde. Era quinta-feira e eu estava novamente na rua onde percebi o menino pela primeira vez. O menino estava crescido, mais experiente, diferentemente de antes quando apenas um pequeno garoto. Mas ele estava ali presente, grande, mudado, mas ainda o mesmo menino. Lembro-me com detalhes daquele nosso encontro. 
***
Andava rapidamente quando percebi o menino inquieto e desconcertado. Insipiente e triste. Como muitos garotos de sua idade, claro, mas de uma forma mais intensa. Com mais calor e bravata. Com cuidado perguntei ao garoto:
- O que aconteceu com você Garoto?
- Eu perdi minha Andorinha.
- Como assim perdeu, ela não fica em uma gaiola?
- Não! – respondeu com incredulidade e aspereza à minha pergunta. – Somos amigos e amigos não colocam outros amigos em prisões. O problema é que foi o que fiz no fim das contas.
- Não entendi muito bem Garoto. Conte pra mim o que aconteceu. – Nesse momento lágrimas sinceras porem escuras (pode ser que lagrimas de remorso tenham essa cor) brotaram não só dos olhos, mas como do peito do Garoto.
- Eu encontrei a Andorinha sem querer. Ela era altiva, livre e forte. Não se importava com outros pássaros e suas tradições como a gaivota do livro do Richard Bach. Era ela e o mundo. Sempre foi. E um dia ela pousou pra mim. E descobri que ela falava!
- Falava? Como assim Garoto?
- Ela falava! E sua tagarelice me encantava, intrigava. Ela ia e vinha quando queria. Passou a vir bem mais que ir. Passei a sair todo dia à espera da minha Andorinha. E de seus voos, suas acrobacias. Mas um dia, atordoados sentimos solidão um com o outro. Sentimos distancia. E cometi um dos maiores erros que poderia cometer: fui além.
- Além? – perguntei.
- Isso. Eu a sequestrei pra mim. Quebrei sua asa e a enjaulei comigo. Ela ainda ia e surpreendentemente ainda voltava. Mas eu já havia maculado tudo. Eu senti tanto receio de não poder ver seus voos acrobáticos e ouvir sua voz, seu canto. Não conseguia aceitar que ela era realmente livre. Seus voos começaram a ficar irritantes e sua falsa presença começou a me incomodar. Sentia que ela só voltava por que já havia sentido algo por mim e não queria mudar nada. Senti que era pena. E vi depois que não, que eu estava enganado. Vi que era sincero. Mas já era tarde.
- Por que tarde Garoto? Nada na vida é tarde.
- Já era tarde, eu te digo com certeza. Eu já a havia enjaulado num sentimento de carinho e piedade. De gratidão e distancia. E sua asa quebrada a impedia de voar perto de mim. A cada vez que ela ficava longe sua asa curava e voava alto. E cada vez que ficava perto sua asa murchava. E ela ficava calada. Inerte. Já não saiam palavras, mas pios de melancolia. E por fim parou de falar comigo.
- Nossa Garoto. É bem triste não é?
- Muito – a tristeza se tornava cada vez mais evidente - ainda mais por que no fim de tudo entendi o que aconteceu. Eu quis demais e não soube entender o que era. Decidi que ela ficaria melhor sem mim. Voando alto consigo mesma. Senti que a mudei e queria que ela pudesse realmente ser feliz e reencontrar seu caminho. E vi que era hora de andar o meu. Mas estou triste por que perdi minha Andorinha. E como eu gostava dela.
***
Eu já estava parado há algum tempo observando o Garoto, agora Homem pensativo. Era nítida a maturidade, a clareza de espírito que emanava desse Homem. E depois de tanto tempo o questionei novamente:
- E agora Homem? É nítida sua mudança. Você sabe o que aconteceu com a sua Andorinha? Você ainda se importa?
- Não é minha Andorinha, nunca foi. E o erro começou ai. Quando achei que era dono de alguma coisa. Não existe meu. Não existe ego. Não pode existir.
- Nossa, realmente houve mudança Garoto.
- É, sou Garoto, mas sou Homem. E sim, me importo. Penso que a Andorinha que conheci está bem. Amizade não é escolha de nenhuma das partes. É parecido com amor. Você simplesmente tem, independente da reciprocidade, da dor ou dos erros. Ou sequer de acertos. Amizade é um paralelismo sem igual. Sem diferenças ou semelhanças. Nunca ver, mas existir.
- Então assumo que você ainda é amigo da Andorinha.
O Homem-Garoto não respondeu. Por que essa resposta ele sabe que eu sei. E agora, depois de tanto tempo, eu, o Homem-Garoto ando por ai, em quintas-feiras, perto das quatro da tarde, falando da historia de como perdi a Andorinha e o que aprendi.

Um comentário:

  1. irado meu irmao... muito maneira, andorinhas não se devem enjaular... nada nesse mundo...

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