domingo, 20 de outubro de 2013

Amores - Parte II - Volta para casa


A chave fez um barulho ensurdecedor na fechadura. Era a pior coisa que poderia acontecer à Talita naquele momento. Ela tentou conter o barulho que era pior que o de uma torcida ensandecida com o gol salvador no fim do jogo. Como um enxame de abelhas raivosas querendo vingar a morte de sua rainha. Mas esse barulho só acontecia aos ouvidos de Talita. A realidade era diferente. Esse barulho com certeza não acordaria sua mãe Irene. Ela continuaria dormindo calmamente se não fosse por um simples detalhe: Dona Irene estava acordada esperando Talita.

O leitor agora poderia pensar: Tenho uma mãe assim! Claro, todos temos. Mas Dona Irene era pior. Por que pior? Por que Talita era, como diziam seus avós, complicada.

Talita mal fechou a porta e Dona Irene não tardou a fazer um barulho com seus chinelos no chão para atrair a atenção da filha. Aprumou-se em sua cadeira, pigarreou forçadamente e não resistiu:

- Espero que você não esteja bêbada.

- Oi mãe. Não estou não. – E tentou ir para o quarto que ficava a poucos passos que seriam difíceis de completar nesse momento.

- Mas você bebeu! Eu sinto daqui.

- Sim mãe. Só um pouquinho. – E Talita manteve foco em, sorrateiramente, ir para seu quarto.

- Volta aqui Talita! Eu quero conversar.

Talita voltou. Indócil. Incomodada. Não era possível que sua mãe seria tão ridícula a esse ponto.

Agora o leitor sendo um filho pensaria em quantas vezes teve que passar por essa situação estapafúrdia. Sendo um pai pensaria em por que os filhos fazem isso e o obriga a tomar atitudes como essa. Bom, são as regras. Jovens as quebram, adultos as fazem. Pais as fazem cumprir. Ou tentam o melhor de si.

- Fala mãe! O que você quer?

Dona Irene se aproximou de Talita e fungou profundamente. Seus olhos se perderam no espaço, no chão. Tornou a erguê-los e olhando para Talita disse:

- Você dormiu com alguém?

- Sim. E não seja antiquada. Eu não dormi. Eu transei mãe. Por quê? Não posso?

- Filha, (e um breve momento de ternura dominou Dona Irene) você não pode dormir com rapazes que você mal conhece. Não pega bem.

- E por que não pega bem? Eu faço o que quero mãe. Eles não fazem o que querem?

Aproveito agora então, para descrever Talita. Talita era linda. Mas o importante realmente não era isso. A parte física de Talita é o de menos, mesmo que ela fosse considerada uma pintura de Caravaggio ou uma escultura de Rodin. O que importava mesmo era o que era Talita. E ela era mágica. Eclética. Espontânea. Alegre. E tinha um Rodin, um Caravaggio, um Strauss (e às vezes um Metallica), um Fellini (e em grande parte um Woody Allen) e por que não um pouco até de Lavoisier dentro de si. Talita era uma Madame Bovary do século XXI! Mas era incompreendida. Atrozmente podada. Ferozmente limitada.

- Mas filha. Você não pode. – e Dona Irene passou a se incomodar com a postura da filha – Eles podem. Você não. O mundo é assim.

- Não mãe. Não é. Foi o seu mundo. Meu mundo é diferente. Assim como o seu foi diferente do da sua mãe!

- Minha filha, assim você fica parecendo uma piranha. Daqui a pouco você vai ser mal falada pela vizinhança.

- Mãe, não importa. Eu quero os mesmos direitos e mesmos deveres de qualquer pessoa. Quero ser igual. Quero poder fazer o que quero na hora que quero.

- Não! Não é assim. Minha filha não vai ficar solta por ai. Como uma qualquer, fácil, que não se importa com o que as pessoas vão dizer. Assim você não vai se casar.

- Não seja hipócrita. Você era divorciada e ainda assim meu pai ficou com você. Pelo que você era. Não pelo que a sociedade dizia o que você era.

Outra pausa se faz aqui para o leitor entender. Talita havia perdido o pai há três anos. Ela tinha apenas quinze anos e sua irmã cinco. E ao contrario do que alguns poderiam imaginar, o comportamento e personalidade de Talita não foram afetados significativamente pela perda. Ela sentiu a falta do eterno ombro amigo, como a maioria também iria sentir, mas não alterou radicalmente nada do que Talita foi e é.

- Nunca repita isso! – Dona Irene levantou a mão em riste ameaçando passar dos limites verbais. – Você não tem esse direito!

- Direito de que? De dizer o que penso de você? Direito de me defender das suas acusações? Sim eu tenho. Sou uma pessoa. Eu transo com quem quero e quando quero. Seja meu namorado ou alguém que conheci hoje. Não importa. Isso não me diminui e não da direito a ninguém de me diminuir. Nem você nem ninguém.

Dona Irene viu que esse caminho não era a solução. Apelou para o emocional. Arriscando um ultimo argumento falou:

- E amor minha filha? Desse jeito você nunca vai conhecer o amor. Amores rápidos não são amores. Perdem-se no tempo facilmente. E ninguém gosta de saber que não é especial. Que você não tem nada a oferecer que seja único. Já pensou nisso?

- Mãe, eu não estou oferecendo nada a ninguém. Não quero nada em troca. Não estou me vendendo. E amo toda vez! Se amo muito, repito. Se amo pouco, esqueço. Amor é uma sequencia de pequenos amores que se completam e se unem em um amor só. E um dia vou encontrar um amor desses como todo mundo encontra. Por que sou uma pessoa com defeitos e virtudes que vai se encaixar com outros defeitos e virtudes.

Talita deu uma pausa e falou para sua mãe enquanto beijava levemente sua testa:

- Mãe, eu sou feliz. Isso que é importante. Eu sei que você se preocupa. Mas deixa eu ser feliz. Eu te amo.

Dona Irene fez menção de responder, mas Talita já havia entrado em seu quarto. E ali, sozinha no corredor que unia a sala dos quartos ela balbuciou quase para si:

- Eu também te amo minha filha.

E caminhando ate o quarto abriu a porta de Camila, sua filha mais nova e a viu dormindo tranquilamente. Foi para o quarto e se deitou. E quase pegando no sono Dona Irene sentiu a aproximação de Talita.

- Mãe. Eu entendo seu amor de mãe. Você quer o melhor pra mim. Entendo seu amor, entendo sua proteção. E você está certa. Obrigado por isso. E vou te contar a verdade. Hoje não dormi com ninguém. Fui me encontrar com Marcos. Vamos ficar juntos.

- E ele é um bom rapaz?

- Acho que me ama. E eu amo ele. E mãe, preciso mais do que nunca de você. – a voz de Talita começava a embargar e lagrimas corriam de seus olhos. – Você vai ser avó.

Dona Irene abriu um sorriso imenso e seus olhos se entregaram à felicidade. Seu peito ardia de soluços. E as duas se abraçaram firmemente. O Amor, em todas as suas formas e em todas suas intensidades estava agora transbordando nesse simples abraço.

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