quarta-feira, 5 de março de 2014

A Quarta-feira

                Esse é o dia triste. Não me importa quantas quartas-feiras existam por ano, pagam as justas pelas pecadoras e por causa de certa quarta-feira cruel todas as outras eu vejo com maus olhos. A quarta-feira de cinzas. Ela difama as outras quartas-feiras. E não é por menos.
                O brasileiro passa o ano ralando, correndo atrás do tempo perdido, tentando galgar seu lugar no mundo, seu objetivo, sua realização. E nesse meio tempo a velha paradinha para respirar e descansar um pouco antes de voltar à correria torpe do cotidiano passa a ter uma importância fundamental, redistribuir as energias e reorganizar os pensamentos. Essa paradinha se chama Carnaval. E além de querida, é estupidamente necessária para a boa ordem de qualquer cabeça.
                No carnaval se joga tudo para o alto, o país não funciona, a vida não funciona. Tudo se resume em pular o carnaval, cair dentro da folia – como bem mandou o Rei - e esquecer o resto do ano. Dor de cabeça? Contas e dívidas? Doenças? Tristeza? Saudade? Que nada...
                Toma um comprimido de Cordão da Bola Preta e a dor de cabeça sumiu. Investe no Bloco do Barbas e a riqueza aparece, mesmo que de batom e colar de havaiana. Faz-se um tratamento no CTI do Sambódromo e já se está como novo. Tristeza não se cria na folia, e saudade? Só se for do carnaval passado e da colombina sumida.
                Mas, como tudo que é bom acaba, essa paradinha também tem seu fim, e a quarta-feira de cinzas dá aquele banho de água fria.
                Ela já chega com um gosto amargo de xarope de tosse de antigamente (de antigamente sim, pois hoje está tudo mudado, até o mertiolate já parou de arder). Já chega como a meia noite da Cinderela transformando tudo e todos em abóbora, destruindo prazeres, pesando no ombro, meu Deus, devolvendo as olheiras. Ela traz consigo o estandarte da solidão, o estigma do vazio, a bandeira do cotidiano.

                Eu odeio a quarta-feira de cinzas. Odeio não, odiar é muito forte. Se o Carnaval não houvesse, não existiria a quarta-feira de cinzas, sendo ela uma prova irrefutável que os dias anteriores foram extasiantes. Então o que? Então a quarta-feira de cinzas é o dia triste. É o dia do fim dos tempos, o início do ano letivo, do ano de trabalho. E a partir de então toda quarta feira me faz lembrar da quarta-feira de cinzas, e em todas elas eu me acabo de chorar.

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