IN
MEMORIAM
O
despertador tocou e, como já era de se esperar, Cláudio não apresentou qualquer
reação. E não era um toque desses de hoje em dia, de telefones que têm-se visto
por aí, não! Era uma daquelas relíquias, com dois apêndices côncavos prateados, no cimo
do relógio, com um badalo no meio. Vermelho. De corda. Cláudio gosta de quinquilharias
e objetos antigos.
Costuma chamar
de retrô, ou vintage. Vê se pode! Ele
guarda tudo amontoado em seu sujo e bagunçado quarto. Discos de vinil e um
toca-fitas. Uma camiseta do fluminense, campeão carioca de 71 e um boné do
Nigel Mansel. Um poster do Jaspion, um The
best of the beast, um Rayito de Sol para
os dias de praia e os K7’s do Saturday
night fever, para o dia a dia. Todas as temporadas! Afinal, quase sempre, nunca ia à praia. Cria sua coleção de ácaros em livros e sempre que pode, passa
uma vista no “Catcher”. Guarda com
carinho um cachorrinho que anda, late e dá piruetas, trazido por seu pai numa
de suas incursões ao Paraguai. Ele diz que o pai trabalhava com comércio
exterior. Ah, o bom e velho (e mau) humor do Cláudio. Sempre exagerado. Na
parede, um relógio que parece de pulso, só que gigante. Quando sai às ruas leva
a tira-colo seu amigo inseparável: um indelével discman. Em seu porta-CD’s tinha desde Roberto Carlos até Megadeth.
Às vezes levava na pochete mesmo, mas arranhava os CD’s. Não que ele se
importasse. Tem um ótimo gosto musical e gosta muito de música. Anda impressionado
com a péssima qualidade do que vem sendo lançado no mercado. Sente saudades do Backstreet Boys e do Biafra. De novo e
bom, mesmo – “Só o Jorge !” – diz ele.
Naquele dia,
Cláudio, que houvera pegado o mesmo ônibus, na mesma parada e no mesmo horário,
chegou atrasado no trabalho; o que já era de praxe. Como sempre, levou um pito
do patrão e deixou a suntuosa sala, cabisbaixo. Saiu resmungando, sentou-se em
sua baia e continou seu serviço rotineiro. Dia desses me ligou – diga-se de
passagem, seu telefone é daqueles de girar, lembra? - para reclamar. Disse que sua vida anda um
tédio, até que não anda. Parece ainda, que anda p’rá trás. Cláudio gosta mesmo
é de guardar tudo que é velho.
Thiago Zefiro, Duque de Caxias, Dia das crianças, 2012.
Haha, maneiro!
ResponderExcluirMuito plástico teu escrito. O leitor consegue imaginar cada um dos elementos "vintages". Gosto dos vazios de um texto, e gosto ainda mais dos detalhes.
ResponderExcluir"Regra de ouro para os escritores debutantes: "se a imaginação falhar, seja fiel aos detalhes." (Ricardo Piglia)
Escreva mais, escreva sempre, Thiago. Beijo, Vanessa (que odeia Paulo Coelho do fundo do âmago, rs).
Vários Cláudios depois, tenho a impressão de que, tirando o mau-humor de praxe, acontece todos os dias assim, com todo mundo e em todos os lugares... vidinha rotineira... ainda assim, com seu romance.
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