Atestado de óbito (Paulinho Cerezo)
Quero renascer nesta terra,
Onde uns homens jogaram sal
Para não brotar mais nada.
Onde minha pátria foi escarnada,
Escarrada,
Expropriada,
Espancada,
Exilada de si mesma,
E, extenuada,
Tentou suicídio em tupi.
Ouvem-se muito mal
Seus estertores,
Pois taparam-lhe a boca.
Seu leito de hospital
É no meio do corredor, no chão.
No seu peito dá um comichão,
Mas não reage.
Seus olhos imploram pelo sacrifício,
Mas um comício eterno
É uma amostra inefável
Do seu inevitável inferno.
"A roupa do Diabo só pode ser terno",
Murmura,
Em um raro lampejo de consciência.
Depois olha em volta,
Com vergonha de alguém ter ouvido.
Uns fazem-lhe preces,
Outros pedem a extrema unção.
Uns querem o meio-termo:
Que fique só meio-viva
(Ou meio-morta, sem reação).
"Doença causada por parasitas",
Diagnostica um falso médico.
Que seja, é de graça!
- Tome, minha mãe,
remédio de farinha: cura e alimenta;
sopa, sem sal, que o coração vai mal.
E ela se retorce,
Como quem nunca diz
Que está incomodado.
- Hoje tem futebol,
Ela sorriu, quase.
Amanhã vai acordar doendo,
Agonizando,
E morrendo,
E morrendo,
E morrendo,
Pelo infinito tempo
Em que viverão aqui os usurpadores,
Sobre o bendito solo que secaram
E malograram,
Onde eles arrancam de mamãe
Os pés de imbondeiro pela raiz.
Aliás, arrancam, não.
Mandam um negrinho fazê-lo,
Que dói muito as costas.
Poesia profunda, crítica, embora este tipo de texto seja mais (em quantidade) representada pelos cronistas. Ficamos a refletir, mas esquecemos realmente o quanto o egoísmo, aquele de Raul, é importante. Ou seja, fazer a própria parte, dar a contribuição enquanto indivíduo, faz parte também desse egoísmo proposto pelo mestre. Fui remetido ao antigo poema que falava do bicho homem, que catava lixo, que vc postou a pouco tempo também.
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