quinta-feira, 28 de novembro de 2013

On The Road

Júlio e Pietra eram um a versão do outro. Talvez por isso não se falassem mais. Os nossos defeitos em outras pessoas ficam muito piores, quase insuportáveis. Mas essa história não é sobre defeitos e virtudes, até poderia ser, mas talvez seja mais interessante deixar para outra. Essa história é sobre histórias interrompidas e sobre como os caminhos carregam as pessoas para situações limite. E uma história interrompida é um ciclo aberto, perigoso. A história de Júlio e Pietra terminou assim, interrompida. Ou melhor, não terminou. Ficou presa no vento das vidas, sempre com uma ponta de pensamento: E se amanhã?


***


O ar frio entrava pela narina de Júlio. Era inverno e a espera estava maltratando os ossos. Machucando o peito. Eram tantas coisas na cabeça, tantos medos e anseios. E o tempo esgotando impiedosamente. Estava perto do horário combinado e começou a se sentir como em uma historia de um livro do Harlan Coben em que o personagem principal após longos anos havia marcado um encontro com sua esposa que esteve desaparecida. A ansiedade, o medo, a negação, a aceitação e claro a impaciência.


“I call your name, but you are not there.
Was I to blame, for being unfair”


Um barulho surgiu atrás de Júlio e assustado ele se virou. Pássaros saiam em debandada de uma árvore por perto. ‘Que clichê’, pensou Júlio. Só faltava aparecer um desses vilões de filme de terror e mata-lo quando ele se virasse para frente. Os pensamentos começaram a vagar. E veio na cabeça a historia dele e de Pietra. Aquele Café no saguão do hotel. Como tudo aconteceu. Tao inesperado. O saguão...o Café.

- Oi.

- Oi. Pois não?

- Meu nome é Pietra. Estamos lendo o mesmo livro. Olhe!

- Ahn, sim – Júlio olhou para o livro On the Road do Jack Kerouac – Muito bom livro. Hã...você que se sentar?

- Não sei. Na verdade não sei por que vim falar com você. Desculpe, acho que me excedi.

- Não, não. Fica. Vamos pelo menos discutir o livro.

- Não, preciso ir. – E Pietra se virou para voltar para sua mesa porem Júlio pegou em sua mão com firmeza e suavidade.

- Não vá. Por favor.


***


Júlio e Pietra estavam no elevador do hotel. A tensão entre eles era nítida. Não conseguiam ficar tão longe e tão perto um do outro. Não resistiram. Os beijos eram acalorados e as mãos exploravam o corpo um do outro. Seios, lábios, coxas, peitos. As mãos entravam e saíam de dentro das roupas querendo tocar pele com pele. Maciez e arrepios. Queriam sentir o calor do toque e da paixão. Entraram no quarto e a tarde se perdeu na madrugada.

***

Júlio e Pietra se encontraram mais tarde no dia seguinte, no mesmo lugar. Nas mãos o mesmo livro. Discutiram Kerouac. Riram juntos. Contaram sobre suas vidas. Conectaram-se.  Porem, no dia seguinte não se viram. A saudade arrematou os corações, ou seriam as cabeças? Não importava. Já sentiam a falta um do outro. Encontraram-se alguns dias depois.


“quando a gente conversa
Contando casos besteiras
Tanta coisa em comum
Deixando escapar segredos”


- Senti falta de você. – disse Júlio.

- Eu também – disse Pietra

Dias, meses se passaram. Nesse tempo Pietra começou a namorar. Terminou. Júlio engatou um romance que teve fim. Affairs iam e vinham. Nada duradouro, nada definitivo. As confissões aumentaram. Começaram a conhecer um ao outro como o livro que liam juntos. As reações, o que cada um queria dizer sem precisar realmente falar. O sentido do que queriam dizer. Começaram as brigas. Discussões sobre posições, sobre o que pensava cada um. As posturas que mudaram sem perceber. E um dia sentados em um café tiveram um encontro como um qualquer.


- Como você esta? Parece preocupada.

- Estou bem. Esse final de semana levei uns amigos para beber lá em casa.

- Que bom. E se divertiram?

- Claro. Amigos meus tem que se divertir. – disse Pietra rindo

- Entendi.

- É.

Alguma distancia estava abismando os dois. Como se quisessem discutir o indiscutível. Porem com medo de falar sobre isso e ver tudo desmoronar.

- Me diz como você esta. Você realmente parece preocupada.

- Não estou. A gente se vê depois?

- Pietra.  Você esta me enganando. E sabe disso. Esta fazendo de proposito.

- Nós não somos nada um do outro. Não me cobre. Você sabe que eu não suporto isso.

- Sei. Mas você também me cobrou e também não gosto disso.

- Não interessa.

- Você não quer mais me ver. É isso.

- Por que diabos eu iria querer isso?

- Pietra, não entendo. Nos damos tão bem juntos. Não entendo por que não podemos continuar nos dando bem. Não vou mais cobrar você.


***


Júlio não aguentava mais essa espera. Pietra estava atrasada. Falaram-se tão rápido da ultima vez. E depois permaneceram quase dois meses sem se falar. Júlio já não sabia se ambos se afastaram ou apenas um, e tinha até medo de saber. Será que foi ela? Será que ele também deixou passar tempo demais?  Por que não se procuravam para conversar? O fim mesmo? Assim, interrompido? Sem mais, sem menos?

Porem, depois de um tempo, Júlio recebeu um telegrama de Pietra marcando um encontro. Ela havia feito um convite para se encontrarem e conversar, quem sabe corrigir erros. Ou pelo menos acabar com o clima de briga que havia ficado. A aspereza das palavras. Tudo que estava estranho entre eles. Poderiam ate não se falar mais ou não se ver mais depois. Mas teriam a certeza de que não foi interrompido, não havia mais aquele câncer consumindo a relação que insistia em existir justamente por isso. De certa forma foram importantes um ao outro. E isso já teria feito valer a pena.


“Tente
E não diga que a vitória esta perdida
Se é de batalhas que se vive a vida
Tente outra vez”


Sete horas. Oito horas. Nove horas. Júlio percebeu que Pietra não viria. Ele pensava por que nem uma noticia. E se perguntava por que a historia havia passado. Mais uma história interrompida. E Júlio saiu com frio e neve dentro de si. Pegou um ônibus e voltou para casa. Ao entrar sentou-se no sofá e pensou como seria se tivessem se encontrado. Deu um sorriso brando e falso para si e decidiu dormir.


***


Pietra estava sentada em sua cama, olhando para o livro On the Road, onde na ultima pagina estava escrito: “Esse era o meu. Já que você perdeu o seu, te dou de presente. Nunca jogue ele fora senão estará jogando a mim.”.

Olhou para o exame de gravidez. Positivo. Não podia ser, não era para ser. Ela não queria essa marca já que não iria vê-lo mais. Não queria, não podia. De jeito nenhum. Mas o exame estava ali dizendo justamente o contrário.


“você sonhava acordada
Um jeito de não sentir dor
Prendia o choro e aguava o bom do amor
Prendia o choro e aguava o bom do amor”





Pietra olhou mais alguns instantes para o livro. Pensou em joga-lo fora, mas guardou em uma gaveta que talvez fosse aberta novamente no futuro. 

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