quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A Gueixa

Dizem que a gueixa conquista um homem com um único olhar. Mentira. É preciso mais que isso e ninguém é tão mundano. Mas derruba com o jeito de ser e falar, o sorriso, e a peculiaridade de sua beleza incerta buscando aprovação. A propósito, meu nome é Osmar e hoje vou contar minha historia para você. Sim, a historia é de amor, perda e dor claro. Afinal, pelo inicio da nossa... conversa deu para perceber que a gueixa é como uma sombra que entra na vida e de repente some por entre as arvores da floresta, se mantém por perto como um rio que você nunca encontra mas sempre ouve suas águas correndo.

Era uma vez...

Eu havia acabado de dar carona para dois amigos para irmos à livraria cultura. Eles dois andavam na frente conversando e eu um pouco atrás ainda guardando aquele maldito papel do estacionamento quando vi a Gueixa pela primeira vez. Porra, ela era bonita, mas ate ai estamos em São Paulo e aqui tem muitas assim. Na minha cabeça funcionava assim: eu olharia e por sorte receberia um olhar de volta. Eu iria sorrir e com mais sorte receberia outro sorriso. E assim a vida continuaria. Justo e simples. E de fato isso tudo aconteceu e ali eu pensei que tinha terminado. Meu casal de amigos continuou andando, atravessamos a rua e fomos para livraria. Passeamos, olhamos uns LP´s em uma estante. Rimos com os DVDs de series e desenhos antigos. Havia X-Men, House, Friends, Caverna do Dragão. Todos fantásticos.

Trinta minutos haviam passado. Eu estava rodando em algumas estantes já com um livro do Stephen King, um do Harlan Cobben e uma biografia do Aerosmith na mão quando a vi sentada em um dos pufes. A Gueixa. Na mão o livro o Lado Bom da Vida, que eu te digo que é pior que o filme homônimo. Não resisti e passei por perto, fiquei rondando sem saber o que fazer. Ela me viu. Trocamos mais olhares durante um tempo. O sorriso surgiu no rosto dela e ela se levantou. Veio na minha direção. Eu já não sabia o que fazer.

- Oi.

 -Oi.

 - Qual seu nome?

 - Osmar.

- Prazer, eu sou a Dani. Eu te vi la fora. E agora aqui. Esta me seguindo? – e riu da própria piada.

- Bom. Não sei. Talvez? – eu ri também. Queria quebrar o gelo daquela atitude corajosa dela e de pouca coragem minha.

- Seria bom eu ter um perseguidor assim, em plena quarta-feira. Você não é um perseguidor psicopata não ne? – e tornou a rir. Sua voz era suave, clara, clean. Fisicamente? Bom, tinha os olhos levemente puxados, era bonita com um lindo sorriso. Tinha mais ou menos 1,60 talvez, mas não sou tão bom com isso. Tinha um corpo bonito, mas acima de tudo tinha presença e isso que me encantou.

- Não, não. Zero psicopata. Eu posso parar de te seguir quem sabe...

- E ai qual a graça?

 - Quer, sei la, sair mais tarde?

- Toma. Fica com esse livro. Estou anotando meu telefone aqui. Eu quero o livro de volta ok. Me liga para combinarmos de você me entregar.

***

Eu e meus amigos sentamos em um café. Minha cabeça longe. Ele e sua esposa brincaram comigo. “Vi a menina conversando com você.” “Que isso hein cara. Romance em livraria. “ “Eu sou mulher e te digo. A menina é bonita.” Eu ria sem graça e só pensava em ligar. Só pensava nela.

***

Saímos à noite. Eu levei o livro. Ela estava com um batom vermelho que realçava sua boca. Parecia uma maçã. Eu estava conhecendo ela e ela a mim, então falamos de tanta coisa. Era musica, eram filmes que vimos e queríamos ver. De livros. Afinal nos conhecemos em uma livraria. Senti conforto naquele encontro, como se estivesse ali alguém além de um romance ideal.

Na segunda-feira seguinte voltei ao trabalho. Oito, nove, dez longas horas preso. E não conseguia encontra-la durante a semana. Não morávamos tão perto e o transito caótico das grandes cidades fazia tudo ficar mais difícil. E a solução eram os impessoais e às vezes mal interpretados e-mails. O mais engraçado é que tudo corria maravilhosamente bem. Ríamos, nos descobríamos. Família, historias, momentos passados. Às vezes ate planos de futuro.
Um dia, marcamos um almoço. Ela estaria por perto. E fui ate ela. Conversamos, rimos. Tudo dentro do script de uma grande amizade. E depois de uma hora e um pouco, voltei pra prisão. O mundo eletrônico separando a vida real. Decidi aquele dia ligar pra ela e sai mais cedo do trabalho. Peguei o carro e a busquei na porta do trabalho dela. Dirigi sem rumo. Ela sugeriu um motel perto. Seguimos para la.

- Olha não costumo fazer isso assim.

- Tudo bem – disse ela – sempre tem uma primeira vez. – e riu de si. Eu ri junto.

Tirei sua calça e sua calcinha de renda branca, pequena, dava contornos mais sexy´s impossíveis. Nos beijamos abruptamente. Eram mãos aqui e ali. Um ritmo cadenciado e depois frenético. Ela me sentou na cama e veio engatinhando ate mim. Como dizia a musica “Uma tigresa de unhas negras e iris cor de mel. Uma mulher, uma beleza que me aconteceu.” Seu quadril nu fazia o formato de uma pera e seus olhos atentos fixos para mim me enlouqueciam. Ela sabia como fazer e como enlouquecer. Foram bons momentos de sexo, descansos, risos e recomeços.

Ai, eu digo a você que a loucura me pegou e como toda historia que vale a diferença, foi ai que tudo ruiu. Eu queria mais, ela também. Mas eu pressionei demais. Eu não queria só o romance. Não me entenda mal. Quando queremos somente sexo, queremos um corpo. Mas todo corpo tem alma, tem alguém dono dele. Ai é fácil esquecer. Difícil é quando queremos a alma e ninguém é exclusivo. Discutimos por isso algumas vezes, e os malditos mal interpretados e-mails, que antes eram meu trunfo viraram a ruína. Um dia enviei um e-mail e a resposta nunca mais veio.

O mundo ai virou de cabeça para baixo. Lembrei-me de um texto que li do Amyr Klink, um grande navegador brasileiro sobre o barco quando virava. A vida era um barco virado e eu estava com a cabeça debaixo d’água.

Nunca a procurei, não sabia se devia. Se ela queria ou não. Eu apenas saia do trabalho e buscava noticias. Como ela estava e o que estava fazendo. Cheguei a ir à porta do trabalho dela para vê-la chegar ou sair. Nunca tive coragem de falar. O tempo foi passando, mas a paranoia não. Acho realmente que eu estava perseguindo-a e como um psicopata. È risível não é? Bom, é muito comum e mais frequente do que imaginamos.

Fiquei acompanhando-a por um tempo e martelei dentro de mim a musica do Charles Aznavour, Et Pourtant. A musica não sei cantar claro, mas a letra é assim e depois você traduz.

                                       Un beau matin, je sais que je m'éveillerai
                                         Différemment de tous les autres jours
                                      Et mon coeur délivré enfin de notre amour
                                                 Et pourtant, et pourtant
                                    Sans un remords, sans un regret, je partirai
                                       Loin devant moi, sans espoir de retour
                           Loin des yeux, loin du coeur, j'oublierai pour toujours
                                Et ton corps, et tes bras, et ta voix, mon amour


Fui fazer um curso de seis meses no Canadá. Larguei o emprego e fui de cara e coragem viver um novo mundo. Conheci canadenses, americanas, brasileiras. Trocava email com meu amigo. Isso, o mesmo da esposa que estava comigo na livraria. Ele me dizia como estava meu país. Namorei uma menina canadense por quatro meses e fui bem feliz. Aprendi muito e depois voltei. Se eu me esqueci da Gueixa? Não. Mas a vida andava se colocando no meio e os pensamentos se alternavam com intervalos maiores.

Um dia eu estava passeando pela Oscar Freire quando entrei numa loja de sapatos. Estava perto do aniversario da minha mãe e pensei em comprar logo. Ao entrar na loja, ali, experimentando um scarpin e uma bota de couro, e ai te confesso que a imaginei só com aquelas botas, estava a Gueixa. Nos olhamos um tempo e dessa vez eu tive a coragem de falar.

- Oi.

 - Oi.

- Você aceita um café?

- Não acredito que você continua me perseguindo – e riu da sua piada.

 - Posso te esperar la fora?

 - OK.

Fomos a um café e conversamos muito. Sobre tudo que aconteceu. Ela me disse que viajou. Que não quis responder meus emails. Que estava irritada. Mas que depois tudo passou e simplesmente a vida se colocou no caminho. Eu contei sobre a minha viagem. Não falei do que fiz ou do que pensei. Fingi tudo. Espero que ela também tenha fingido.

                         ‘Era só uma menina e eu pagando pelos erros que nem sei se cometi.
                                  Se eu queria enlouquecer, esse é o romance ideal’


Ela tagarelava como se nunca tivéssemos brigado. E eu adorava isso. Era como se talvez eu a tivesse comigo de novo. Psicopata batendo à porta? Sim, talvez. Acho que na verdade é difícil lidar com rejeição. Dói, falta ar. Alguns pequenos prazeres se perdem talvez. É difícil encarar isso, tem que ter estomago. Ela pediu um bolo. Eu voltei ao assunto, queria uma explicação real. Falei meus motivos. Tentei me explicar.

- Ta bom e ai?

 - Como e ai?

- O que quer com esse discurso? – e Dani estava séria, receosa.

- Você um dia disse que seus amigos podem pegar sua comida. Eu ainda posso?

 - Quer meu bolo?

                                                                        Et pourtant..
                                                           Pourtant, je n'aime que toi
                                                                        Et pourtant..
                                                          Pourtant, je n'aime que toi
                                                                       Et pourtant..
                                                          Pourtant, je n'aime que toi
                                                                      Et pourtant..


Dizem que a gueixa conquista um homem com um único olhar. Não passa da mais pura verdade.

domingo, 13 de abril de 2014

Erros

Me pergunto diariamente, por que tão errado?
Quando penso em acertar, só erro
Meto os pés pelas mãos, e atordoado
Ao invés de um suspiro, me sai um berro

Que coincidência estranha nós dois
De tanto nos acertarmos nos derrubamos
E meu erro, crasso, emudeço, pois
Não há de haver erro quando nos amamos

Ajoelho, e com as mãos na cabeça, desespero
Não há vida sem ti - não quero!
Rogo perdão, aos céus, a ti, prometo não errar

Nunca mais hei de tantos erros cometer
Engolirei cada palavra que não lhe for de prazer
Só e somente só você voltar a me amar

quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Almoço (ou Bar Luiz)

O Almoço (ou Bar Luiz)


Resolvi me dar um almoço de presente. Não, não é uma data especial, é apenas um capricho que todo Homem deve se dar vez ou outra. Saí de Botafogo em direção ao centro, onde cresci. A Rua da Carioca, entre o Largo da Carioca e a Praça Tiradentes costumava ser o paraíso, e era para lá que eu me encaminhava, com sede de lembranças e uma fome um tanto castigante. Em meio ao novo comércio da Carioca, ainda se erguiam alguns recintos que fazem parte da nossa história. Em meio aos despercebidos cidadãos, ainda se vêem alguns da mais bela estirpe da cidade. Gosto de pensar que eu sou um desses. Um desses que tem apreço pelo que é tradicional, pelo que é belo, pelo que foi base do meu crescimento. Sigo, na direção da Praça Tiradentes, com passos lentos e observadores. Ao meu redor, noto entre tantas lanchonetes, lojas mal organizadas, o Bar Flora, ainda de pé, ainda forte. Mas não é ali meu destino, é um pouco mais a frente, entre a clássica loja de instrumentos À Guitarra de Prata e o clássico e decadente – desde sua criação – Cine Íris, onde passei parte de minha adolescência, buscando instrumentos para saciar meus prazeres – musicais e luxuriosos. O numero é 39, e o nome, é Bar Luiz. Fundado em 1887, quando Dom Pedro II ainda era Imperador e fingia governar o país, com outro nome, estabeleceu-se ali no 39 da Rua da Carioca em 1916, por problema de locação, já com o novo nome devido a lei de valorização da língua nacional de 1915. Dali, não se mudou mais. Claro que teria que ser ali, naquele recinto onde me fiz homem. Mas essa é outra história. Adentrei. Com a cabeça levantada, os pés em ponta e os olhos perdidos se depararam com meu ilustre amigo Gravata-borboleta. Seu nome é Jerson, e desde que me entendo por gente, ali, é ele quem me serve... perfeitamente. Quando o vi, já sabia que minha mesa estava pronta e a minha espera. Não sei se por interveniência divina, por acaso, ou mesmo por condição instintiva, não importa a hora, eu sempre chego lá cinco minutos antes de lotar. Eu não quero parágrafos nesse texto para não perder a continuidade, mas peço uma pausa, para um gole de cerveja e um adendo. À altura que estou sentado me alimentando saborosamente, faz-se uma fila enorme do lado de dentro e de fora do local, cheio de ávidos senhorios buscando saciar seu paladar. Retornando. Ao sentar-me na mesa, que no horário do almoço é enorme para uma pessoa, mas não cabe quatro, a velha recepção de sempre. Um abraço caloroso, meu chope gelado sem precisar pedir, o sorriso leve de Gravatinha e... peço o cardápio, para sua surpresa. Às vezes o peço somente por desencargo de consciência, ou metidez, já que o conheço de cor e salteado, de outros carnavais. Gravatinha se vai, desempenhar a mesma função para as outras mesas do seu quadrante. Passo a vista na carta, e como desconfiava minha intuição, a pedi somente por desencargo de consciência, ou metidez. O prato é o mesmo que peço a pouco mais de uma década. O suculento Empanado de Frango – acebolado – com batatas coradas (essa é a pedida do almoço, à noite os hábitos mudam), que degusto com um prazer quase infantil. Engraçado escutar do Gravatinha que ‘aquele meu amigo pediu a mesma coisa ontem’. Hábitos antigos dificilmente morrem. E, não diferente, já empanturrado, faço questão do pudim com ameixa, sem o qual meu almoço ali não está completo. Desde o momento que começo a comer o empanado, até o momento que peço para o Gravatinha trazer a dolorosa, abstraio tudo ao meu redor, com exceção do falatório das mesas, dos gritos dos outros gravatas, ‘me dá um claro’, ‘dois escuros e um garoto’, ‘pudim sem ameixa’, ‘frango’, ‘carne’, ‘bolinho de bacalhau’, ‘fecha mesa 4’, ‘viajando na mesa 17’, do tilintar de talheres nos pratos, dos gritos por lugares na porta. O resto, eu abstraio tudo. E me lembro, do meu amor, de velhos amigos e companheiros, hoje ausentes, bebedeiras memoráveis, fla-flus inflamáveis, choros, sambas, alegrias, tristezas, dias, noites e madrugadas. E com lágrimas nos olhos, pelo que está acontecendo com o estabelecimento nesse momento difícil, pelo que está para acontecer de trágico na minha vida, quando os pés puser fora daqui, dou a ultima colherada no pudim e peço a conta. Deixo para o Gravatinha sua parte, por fora, coloco um palito na boca para mastigá-lo, vou ao banheiro. Na volta, minha mesa já está tomada, por dois rapazes que ali frequentam a pelo menos umas quarenta primaveras a mais que eu. Despeço-me dos conhecidos, do Gravatinha, dos outros gravatas, peço licença e abro caminho por entre os “em pé” na porta se engalfinhando por um lugar em alguma mesa. Saio, retornando à vida, ao mundo, me perguntando se a cidade merece que o bar se mude mais uma vez.


quarta-feira, 2 de abril de 2014

Tudo

Tu és tudo, que graça, não há onde não estejas
A cada direção que olhe, és tu, que minha vista deseja
No entre acordar e dormir, entre chegar e sair,
Transcendes o relógio, o contador de horas
Transcendes o espaço, dentro de mim és pólvora

És o que não esqueço, o que não apago
És sol de praia com seu sorriso ardente
És dança na chuva, com o amigo ao lado
És presença certa em tantos sonhos
És tomar banho, cuidar da dor de dente,
Cuidar do corpo, da alma, da mente,
És tudo... a falta de limites, a inconsequência
És matéria dada na escola da minha vivência
Colo de frio, colo de saudade, a própria saudade
És batom vermelho, que não desbota, que não sai,
Que marca o peito, que mata o ego e a vaidade
És sexo: o selvagem, o improvisado, o amorzinho
E também és a inocência em brinquedo de parquinho
És o não entendo, deixa que explico, crise de ciúme
És tanto a amizade quanto a paixão envolvente
És Fernão Capelo Gaivota, és dos livros, o melhor
A vontade de voar, na gente, é maior!
És tantas mulheres juntas, em corpo único
A virgem em polvorosa beijando escondida
A mãe de família com insônia de tanto amor
A senhora sem pudores de vida bandida
A apaixonada, contando estrelas, chorando sua dor
E por falar em estrelas, és touro, constelação
Vertigem da falta de quem chamar de paixão
És batimento descompassado de um coração
A espera de quem seja de escorpião
És canções de Caetano, linda, tigresa,
Dominas o homem e o Leão
És menina desatinada do seu rapaz
És Andrômeda, dona da maior beleza
És Helena, causadora de guerras e de paz,
És samba, és ritmo, és tamborim
És coleção de sardas, óculos de gatinho,
Cabelos curtos, riso grande,
Em dias de Não, me olhas e és só Sim...

De tantos sentimentos que não cabem no peito
De um menino vadio que não sabe se comportar
És ritmo acelerado desse mesmo menino na sessão
De cinema das cinco, só pensa em beijar...

E depois do beijo, que vida lhe apresentaste,
Calma contra desespero, dor contra alegria
Distância versus prazer, gozo versus vergonha
Homem contra menino, noite versus dia
Corpo mais alma mais cabeça, gente mais animal,
Rio de Janeiro, Bangu por Ipanema, e Carnaval.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Soneto de Abandono

E de repente, como quem adormeceu por uns instantes
Me vejo sozinho, abandonado no meio de uma infinita
Estrada, sem sinalização, um sem direção constante
Que a minha existência – desde o princípio – limita

Como posso sair daqui ileso? Como, sem arranhão?
Me consome a lembrança de dias claros e amenos
Em que felicidade era companhia, e na amplidão
Dos sentimentos, éramos completos, nada menos.

Agora, maltrapilho de tanta andança sem fim
Atrás de um dia passado que me dava tanto prazer
Me sinto vazio, sem norte, sem alma, sem mim

E assim, deixa de ser uma dádiva o viver...
Penso na Morte como solução para o que não tenho mais,
E abandonado, nu e à mercê, só seu beijo frio me dá paz.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Soneto de Indiferença

Se uma única vez me negas seu olhar
Me desespero, me afogo em prantos
Se palavras já não me queres dar
Me sangro e puno em espinhos tantos

Me arrasto a seus pés, sem vergonha
Faço cena, rolo esperneio e grito,
Por mínima atenção, por um gesto
Por um "_ pare, não volto, está dito."

Me mata mais a indiferença que a certeza
De que dor e dor e dor virão me assombrar
De que teria de viver mendigo de tua beleza

Não aguento ver-te sem saber como será
Se à noite serás minha ou se usarás véu
Se queimarei no inferno ou gozarei no céu.

domingo, 23 de março de 2014

São

Eu que já fui dono de mim mesmo
Te sigo tal animal domesticado
Possuído por sua existência
O que não é você, não vale o pecado

Tudo antes saboroso, não tem sabor
Tudo antes instigante, não excitam
Tudo que antes era esplendor,
Até o céu, meus olhos evitam

O peito que antes vigoroso
Não bate, não batuca, não...
Não há dia sem ti que haja gozo

Sem o que é vocé, não me espere são...
Te necessito embaixo da pele fria
Pra nela ter calor, nela ter alegria.

sábado, 22 de março de 2014

Sem medo

O que eu tenho que fazer, me diz,
O que eu preciso pra você me acreditar?
Me desfazer de novo, me desfazer mais?
O que, me diz, procê perder o medo de amar!

Não me diga que não há nada a fazer
_ Me ame! Nos meus olhos olhando, me diz.
Te amarei, como nunca amou alguém
Qualquer poeta, eterno aprendiz.

E te amando e me desfazendo
E me rasgando e remoendo
Seus desejos executo sem pudor

Você me amando e me refazendo
Me remontando e reerguendo
Terás perdido o medo, sem dor.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Soneto de Ausência

Já são incontroláveis as palpitações
Minha condição cardíaca me condena
A um triste fim a cada ausência sua
A cada ausência sou um ser digno de pena

Me afogo, diariamente, atrás da Sirena
Que, à noite, me canta aos ouvidos
E nesse momento, a Morte serena,
Ri de mim, me nega os pedidos

Se não vai me levar, que abra meu peito,
A falta de minha morena, queima meu leito,
Pesa em minhas costas e me desfia o fado

Assim, vivo ou morto, sem o coração
Seguem os dias sem dor, sem provação
E mesmo assim, ainda me falta o ser amado

Soneto de Distância

Um dia a mais sem sua presença
Ao meu lado. Dores... quantas
Passo quando és indiferença
És minha doença. Dores... tantas!

Recluso do viver, esqueço o mundo
Se nele tu não hás, ele nada me vale
Sem ti sigo vadio, il cuore vagabondo
E grito! Sem ti, nada há que me cale

A fragilidade que me causa a distância
faz do reencontro uma urgência
sem o qual minha alma solitária

Perdida em seu próprio pesar
Passaria a eternidade em carência
De algum dia te poder beijar

segunda-feira, 17 de março de 2014

Costela

Tão logo notei o que tens,
Tens tudo que vejo em mim
Limites poucos, amor de muito
Aventurança sem fim

Tão logo, és o que sou
Entregue, peito em desatino
Por si mesma, por nós,
Menina de seu menino

Por tanta pele em comum
Por que de dois existe um
Por onde há porta fechada pula a janela

Penso que igual não hei de encontrar
Com tanto beijo, tanto para se amar
Pergunto: não serei eu, mulher, feito de sua costela?

sábado, 15 de março de 2014

Sentimento do mundo

Trago em mim, tantas dores do cotidiano
Arrastado, acabrunhado, desgastado
Como quem morreu no meio do caminho
Maltratado, esfolado, enterrado

Sentimento que não me deixa viver
Acabado, afogado, colapsado
Me pergunto quando viria a solução
Retardado, estragado, aviltado

Corroído por momentos de separação
Podem que sejam minutos ou segundos
Eterna angústia, espera por reparação

Nunca se acaba essa triste realidade
E não perdoa o poeta, coração vagabundo
Sentimento reduzido à palavra: Saudade.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Se eu tivesse mais alma para dar

Eu daria, isso pra mim é viver” (Linha do Equador, Caetano Veloso e Djavan)




E sei bem pra quem daria minha alma.
Pra quem tivesse sonhos tantos
Como são os meus, arrebatadores!
Quem jamais escondesse gota de pranto

Minha alma seria acompanhante
De outra tão serena que só amasse
Sem pensar no ontem ou amanhã
E que nunca num corpo se escondesse

E com a alma dada, meu corpo para que serviria?
Seria pra carregar essa alma sem compromisso
De qualquer resultado, para a outra alma que viria

E as almas juntas brincalhonas e sem limites
Seriam amantes, ardentes e sem juízo
Por quanto tempo ainda houvesse apetite...

Poeminha

E no meio de tanta paixão
Querer estar sempre por perto
Apareceu, de dentro, um amor

Querer... para sempre.

Um menino

Não sou homem, sou menino
Guardo comigo todas as travessuras
Ha tanto forcadas ao esquecimento
Sou menino, não sou homem

Não sou homem, sou menino
Quando homem, quantas agruras
Quando menino, atrevimento
Sou menino, não sou homem

E como menino, não há  amanhã
E tanto fascínio, me tira a razão
E vamos deitar somente  quando é manhã

E juntos em sonos bem-aventurados
Sonhos de esgotar batimentos do coração

O menino acorda se sabendo amado...

quinta-feira, 13 de março de 2014

Cinco dias

Sim, existem os amores com cinco dias
Sem vergonha digo aos descrentes
Existem em seu próprio tempo
E são como a Lua, divina em crescente

Não se mensuram por tantas bodas
Mas como o Sol, por temperatura
Como as missas, não se medem pelo Domingo
Mas, pelos domingueiros, sua fé dura!

E tão logo esses me contestam
Pergunto: E Romeu? e Julieta?
Todos os descrentes desesperam
Maior amor vivido, disse o poeta

Corpo

Em sua pele, escrevo nossa história
Como se fosse toda minha, cada pedaço
Entre poemas, musicas e frases feitas
Retalhos de momentos em seu espaço

Em seu corpo deito minha felicidade
Como se fosse todo meu, cada bocado
Entre olhos, boca, joelhos e ombrinhos
Em forma de beijos, deixo meus pecados

Em seus seios busco a redenção
Entre suores, sonhos e intenção
Sem nenhum pudor perco o siso

E em seu sexo escondo meus vícios
Entre toques, línguas e lábios

Entre choros, gritos e sorrisos

quarta-feira, 12 de março de 2014

Revoada

E chega o dia do meu desespero
Em que com meu coração à fora
Não tenho mais quem o pegue
Só dor e solidão e perdição agora

Se apagou uma luz nesse mundo
No escuro meu interior dá um nó
E no que ontem era puro fogo
Hoje são espalhadas cinzas e pó

Mas nem tudo é perdido
Pra quem sempre viveu sem norte
Já sei o que me guarda a sorte

Tá combinado, corramos perigo
Como a ave atrevida, a ave ousada
Das cinzas sai o Amor em revoada

Alma vazia

E ainda tem essa cama vazia
Que me tortura a todo anoitecer
Que me tortura a cada amanhecer
É jardim sem flor
Uma cama sem teu cheiro
Uma cama sem teu toque
Uma cama vazia sem felicidade
É cama vazia sem amor
É alma (minha) vazia...

Prazeres

Merece uma salva de palmas,
Esse seu corpo. Nu, de preferência.
E todo esse amor que lhe transborda
Não merece nenhuma abstinência

Merece em sua boca, o gosto,
Da minha paixão. Sempre nua.
E se lhe escorre sem controle,
Abandone sua menina ingênua.

Use-se, use-me, usa-nos...
Vire noites seus lábios mordendo
Meu cabelos puxando, morrendo!

Use-se, use-me, usa-nos...
Abra seus olhos, menina fogosa
Deixe sair a menina que goza!

segunda-feira, 10 de março de 2014

Desbotado

Que dia, lento e tedioso
Acordar e se separar do amor
Mesmo que por momentos
Deixa flores desbotadas, sem cor

E sem cor não se vive
Sem cor, o corpo não se alegra,
E sem corpo alegre, Bem,
A mente não sossega

O que fazer nessa dura realidade?
O que fazer para recuperar tempo perdido?
Que fazer para nao correr mais perigo?

Eu iria até pra Bangu, atravessaria a cidade...
Só por um pouco de sossego, um prazer indecente
De, em certos olhos, ver o mundo colorido novamente

Olha pra mim

Olha pra mim, que os medinhos se tenham acabado
Que seu peito bata cada vez mais forte
E o nosso tempo te traga a paz
Olha pra mim, vê! Que amar é bom,
Não importam nossos tantos carnavais

Olha pra mim, antes que caia a noite
Não teremos recordações que não sejam amar
Entre os lençóis, nossos dias se apagarão
E me deixando dominar seus sentidos
Olha pra mim, nunca mais me diga não!

E quão mais tarde durmamos
Entre beijos e olhares e prazeres
No calor eterno de nossa cama
Paro, respiro (suspiro) e clamo:
_ Olha pra mim, diz que me ama!

domingo, 9 de março de 2014

Tamborim 2

Apenas uma tamborinista
Me diz ela com ar despretencioso
Lhe digo de volta mas é minha
E nao tenho bem mais precioso

Me sobe a espinha sua presença
Ao mero começo de batucada
Meu corpo tremendo sem vontade
Me enche de paixão ritmada

E se, a cada toque de seu tamborim
Minha paz é roubada
Como posso viver assim?

Teria que tê-la sem parar
Fazendo-a se sentir amada
É a mim que a tamborinista vai amar

quinta-feira, 6 de março de 2014

Voltando

Tristeza, tristeza, tristeza
À casa torno, para baixo olhando
Ao poder ver-te, me somem possibilidades
E sigo as regras, mas sigo chorando

Pensei em voltar a ser irresponsável
Como há muito não era
Pensei em chutar o balde
Dizer que comigo é a vera

E que sabendo onde vai se meter
Se entrega ou não, podes escolher
Mas saiba que teu futuro definirá

Se deixar, de mim não escapará
Ao meu lado se sentirá realizada
Ou nunca será amada

quarta-feira, 5 de março de 2014

Soneto de Quarta-feira de Cinzas

Dormir nunca foi tão difícil
Desde que a quarta-feira de cinzas chegou
Que não durmo sequer um minuto
O surdo batimento de meu peito minguou

Me traz a quarta-feira de cinzas um tanto
De tristeza, por tantas realizações
Por ter pulado o Carnaval como Louco,
Arlequim maroto conquistador de corações

E aí, chega essa quarta-feira tão ingrata,
Que sem a festa da carne não existiria
E que todos meus puros sonhos acaba

Já sem Colombina, fugidia, efêmera, sem igual
A quarta-feira de cinzas me transforma

De Arlequim em Pierrot, palhaço triste do Carnaval

A Quarta-feira

                Esse é o dia triste. Não me importa quantas quartas-feiras existam por ano, pagam as justas pelas pecadoras e por causa de certa quarta-feira cruel todas as outras eu vejo com maus olhos. A quarta-feira de cinzas. Ela difama as outras quartas-feiras. E não é por menos.
                O brasileiro passa o ano ralando, correndo atrás do tempo perdido, tentando galgar seu lugar no mundo, seu objetivo, sua realização. E nesse meio tempo a velha paradinha para respirar e descansar um pouco antes de voltar à correria torpe do cotidiano passa a ter uma importância fundamental, redistribuir as energias e reorganizar os pensamentos. Essa paradinha se chama Carnaval. E além de querida, é estupidamente necessária para a boa ordem de qualquer cabeça.
                No carnaval se joga tudo para o alto, o país não funciona, a vida não funciona. Tudo se resume em pular o carnaval, cair dentro da folia – como bem mandou o Rei - e esquecer o resto do ano. Dor de cabeça? Contas e dívidas? Doenças? Tristeza? Saudade? Que nada...
                Toma um comprimido de Cordão da Bola Preta e a dor de cabeça sumiu. Investe no Bloco do Barbas e a riqueza aparece, mesmo que de batom e colar de havaiana. Faz-se um tratamento no CTI do Sambódromo e já se está como novo. Tristeza não se cria na folia, e saudade? Só se for do carnaval passado e da colombina sumida.
                Mas, como tudo que é bom acaba, essa paradinha também tem seu fim, e a quarta-feira de cinzas dá aquele banho de água fria.
                Ela já chega com um gosto amargo de xarope de tosse de antigamente (de antigamente sim, pois hoje está tudo mudado, até o mertiolate já parou de arder). Já chega como a meia noite da Cinderela transformando tudo e todos em abóbora, destruindo prazeres, pesando no ombro, meu Deus, devolvendo as olheiras. Ela traz consigo o estandarte da solidão, o estigma do vazio, a bandeira do cotidiano.

                Eu odeio a quarta-feira de cinzas. Odeio não, odiar é muito forte. Se o Carnaval não houvesse, não existiria a quarta-feira de cinzas, sendo ela uma prova irrefutável que os dias anteriores foram extasiantes. Então o que? Então a quarta-feira de cinzas é o dia triste. É o dia do fim dos tempos, o início do ano letivo, do ano de trabalho. E a partir de então toda quarta feira me faz lembrar da quarta-feira de cinzas, e em todas elas eu me acabo de chorar.

Fantasia de Carnaval

Na condição de poeta, minto
Finjo que minto para me sentir melhor
E transformo meu amor em seu amor
Jogando para ti tudo que sinto

Assim, te ganho, melhor, eu ganho!
Deixo de estar sozinho nessa situação
Te ponho a pensar com o coração
Me vendo com amor tamanho

E agora que te encantas tu comigo
Meus versos posso descansar
Que já cansados, não oferecem perigo

E de seu encantamento não tenho defesa
Então podemos deitar e rolar (e amar)
E, por toda a noite, serás tu minha presa.

terça-feira, 4 de março de 2014

Tamborim

Como a olho, olhar de fome
Não consigo disfarçar
Se digo, que a quero amar...
Como? Sequer digo meu nome.

Mas é tanta minha vontade
que os lábios se abrem sem fim
E o coração é tal qual seu tamborim,
Que te entrega toda a verdade

Já não sais do meu pensamento
Que tanto, tantos ritmos me despertam
Do sono justo de meu merecimento

Me dá igual, dormindo ou acordado
A ti ambos me levam,
Só não quero meu amor negado!

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Destemido

Se eu lhe disser o que ando pensando
Que queria que eu e voce fossemos nós
Me daria as costas por estar ousando
Ou quereria que ficássemos a sós?

Por poeta que sou, assuste-se não
Tenho por costume paixões alimentar
E esse olhar teu, que me causa tensão
Ganas de nele me afogar

Esqueça o velho bom vivedor
São meus apelos naturais
Daqui saem versos, versos de amor
Que nao duram dois carnavais...

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Bardot

Cê viu quem voltou?
Quem? Ela!
Assim eu via mais um coração
Palpitar...

Soluços se repetiam como a primeira vez,
Lá, naqueles dias, eu num tava não,
Mas não precisava, já a viste? É de se
Apaixonar...

Não tem Lucíola, mais provocante,
Nem Gabriela, mais inocente
Nem Belle de Jour, mais sol... mais
Amar...

Eu não cheguei a vê-la...
Mais vez ou outra ela volta,
E acaba com os casamentos,
Destrói lares e causa engavetamentos...
Ela não aparenta saber,
Talvez só finja... mas não é sua culpa...
De fato ela é tudo que qualquer um possa
Sonhar!

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Talvez (ou Cama vazia)

Uma cama vazia é o que hoje tenho
Um braço em que não dorme ninguém
Tantas duvidas, que mal me contenho
Uma promessa, e um tanto de porém

Me falta tinta para minha pena escrevente
Ou será que o que falta é inspiração?
Ando sem musa, sem cabeça, sem coração
Com uma tristeza que beira o inconveniente

Nem samba num dá dessa vez
Não é aquela tristeza, boa, que inspira
É daquela que chega, e quando vai, tira...

Lhe deixa no desespero do talvez